Eram seis da manhã e a rua já estava cheia de passos. Uns subindo, outros descendo. Os ombros se encostando em um leve afastar.
Entre os passos da esquerda, podia-se ver a sombra de uma pedra sendo ferida amargamente por um pedaço de ferro, que num constante, martelava a imagem que se espelhava nos olhos de All, um homem pequeno, mas forte. De suas juntas brotavam coágulos rubros, sua vista cumpria o exercício diário de se fechar a cada martelada, a cada pontada que a pedra insistia em causar em sua dor. Mas a vontade de ver o reflexo completo era intensa, tão intensa quanto a força que fazia para manter as pernas por tanto tempo encurvadas, sustentando seus 75 quilos.
O sol se pôs às 18:30h. Como de costume, All levantou devagar, quase sem respirar, para tomar seu café frio, ali deixado por seu filho, há 3 horas passadas. Já fazia uma semana e ainda tinha muito por terminar, mas só All sabia a sensação de olhar para o reflexo pronto.
E assim se foram os 45 dias. Com todas as honras, o prefeito foi em festa, dar boas-vindas àquela nova criatura que nasceu na praça XII. All ficou ali, logo atrás da multidão, fazendo vivas ao criador daquela obra. Seus aplausos eram suaves, enrolados em faixas limpas e brancas, que escondiam os anos de trabalho numa artrite já avançada.
Dadas honras aos prefeitos, arquitetos e vereadores, os passos acompanhavam com pressa os afazeres do dia. Os olhos passavam por aquele homem baixo, de olhar brilhante, como se fosse invisível. Apenas uma garotinha notou a lágrima de felicidade que rolou naquela pele enrugada, mas seus superiores já trataram de fazê-la não notar mais, chamando sua atenção.
E todo mundo passou e até falou: Saia da frente! Mas All só ria e se emocionava, com o reflexo de seus olhos e enchia de ar os pulmões. Ainda deu a última olhada saudosa, porém satisfeita e foi em direção a sua casa, aquela na qual passaria seus anos restantes.
Nesse exato momento, a garotinha vai com seus passos pela praça e pára um breve momento diante do reflexo de seus olhos, o mesmo reflexo que All teve há 20 anos atrás. Não se lembra daquela lágrima mas sente o ar se mover nos pulmões.
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