Caminhada

Sapatos na nuca
Saia amarrada
Embaraço de fios
passos marcados

Areia nos olhos
Pouca visão
Areia dos dedos
Roçando no chão

Cabelos ao vento
Cabeça no ar
Olhar esquecido
De tanto calar

Longa caminhada
Na areia molhada
Gotas da jornada
Na saia enrugada.

sexta-feira, 1 de março de 2019

O QUANTO VOCÊ ACREDITA EM SI MESMA?


Por Joyce Baena.

Muitas vezes quando se é jovem, ficamos inseguros sobre a real qualidade de nossas capacidades e por vezes, deixamos que o outro nos faça acreditar no que ele deseja que acreditemos. E a realidade criada pode nos deixar muito mal. Foi o que aconteceu comigo aos 26 anos e só me dei conta quando descobri que estava com uma úlcera.

Era dezembro de 2.000 e aos 25 anos, eu já tinha uma bela bagagem profissional. Tinha feito faculdade de comunicação em São Paulo, voltei pra Porto Velho onde minha mãe morava e lá, tinha dirigido equipes de filmagem com mais de 100 pessoas, criado diversas campanhas de sucesso, era redatora reconhecida no mercado. Mas uma coisa era trabalhar numa cidade no interior do Brasil, outra coisa era realizar o sonho de trabalhar em uma grande agência de propaganda em São Paulo.

Com muita luta e força de vontade, entrei numa das gigantes do mercado publicitário paulista. Minha chefe nova era uma mulher bonita, única vice-presidente entre outros vários vice-presidentes e presidente, todos homens. Ela tinha um ano a mais do que eu, andava sempre impecável. Eu nunca vi ela sem estar montada no salto 10 ou com um fio de cabelo fora do lugar. Nem na agência, nem nas festas de fim de ano na beira da piscina.

Minha chefe era firme, competente, extremamente perfeccionista e algumas vezes, cruel.

Eu era uma menina vinda de Rondônia, não falava inglês, sem pós-graduação, criativa, empolgada, com o grande sonho de aprender com quem sabia de verdade. Ela nasceu milionária, tinha tudo nas mãos e não media esforços para conseguir o que queria.

Era uma combinação perfeita: ela queria controlar e eu queria e "precisava" muito daquele emprego.

Quando comecei a trabalhar com ela, 2 meses depois recebi um aumento de 2x o salário que pedi no início. Fiz uma apresentação que foi para outros países, elogiada por todos os sócios das outras agências do grupo e pelo cliente. Tinha feito algo inédito, misturar Photoshop com Corel e PPT. Ninguém nunca tinha feito apresentação desse jeito. Vendo que ali tinha espaço para criar, me entreguei de corpo e alma para o trabalho. Tudo o que ela pedia, inclusive as coisas que pareciam impossíveis no tempo existente, eu dava um jeito de conseguir. Virava noite, não ia ao banheiro, comia sobre a mesa de trabalho mas resolvia.

Eu entrava na agência as 9h em ponto todo dia. Qualquer minuto de atraso era motivo de cara feia o dia todo. Portanto, eu chegava mais cedo e saia bem tarde. Mas mesmo saindo na madruga, 9h eu estava lá.

Cheguei num momento em que meu café da manhã era Coca-Cola e cigarro pra aguentar o tranco. Na madrugada chegava a fumar um maço inteiro. Era como eu me mantinha desperta. Cada detalhe era importante. E por mais que eu me esforçasse minha chefe nunca estava satisfeita.

Eu fazia de tudo para agradá-la, montava apresentações impecáveis de 150 slides em 2 dias e no final, ela pedia para imprimir os slides e me devolvia dizendo: tem erro e não dizia onde. Depois de horas quase vomitando de nervoso em cima do documento eu achava uma vírgula fora do lugar. O erro era esse, juro, e ela confirmava.

Eu chorava no banheiro, me sentia humilhada, um lixo, burra. E ela me mostrava, as vezes de maneira cruel que ela me fazia um favor por me dar esse emprego. Quando eu fazia apresentações incríveis, ela me elogiava e eu esperava ansiosamente esse elogio, mas depois, algumas pessoas que participavam da reunião diziam que ela ganhava todos os louros do trabalho e me diziam isso, chocadas com essa atitude dela.

- Como você aguenta trabalhar com ela? Sai fora!

Cansei de ouvir isso de muita gente. Amigos queridos entravam e saiam da agência, não aguentavam trabalhar com ela. Mas eu continuava lá. Eu realmente acreditei que não conseguiria outro emprego.

Quando eu estava muito triste ela fazia um elogio para me motivar. Se eu ia para o hospital com uma crise de gastrite, que se tornou algo comum, ela cuidava de mim como uma mãe. Era uma relação de amor e ódio. Mas eu sempre acreditava que tudo podia melhorar e continuava.

A questão é que eu precisava muito do trabalho, tinha uma filha de 4 anos, um marido desempregado, contas a pagar. E eu gostava do que fazia, não queria fazer outra coisa e morria de medo de ficar desempregada.

Chegou um momento que minha autoestima estava em frangalhos, eu estava cansada, exausta. Me vi com 20 quilos a mais, me achava horrível, meu casamento estava indo de mal a pior, minha filha tinha que morar com a minha sogra durante a semana porque eu nunca estava em casa. Aguentei firme mas quando descobri que estava com uma úlcera resolvi mudar as coisas.

Na frente da agência tinha um centro espírita. Resolvi bater lá e descobri que eles tinham um programa de terapia gratuita. Resolvi me inscrever: você escolhia um único assunto e tratava em 12 sessões. Então, ok. Vamos tratar a relação com a chefe.

Foram muitas conversas. Comecei a ver que o problema não era ela e sim eu mesma. Eu não me posicionava, não valorizava meus talentos. Passei a perceber que ela fazia tudo aquilo comigo por algum tipo de insegurança e que a atitude de mudança tinha que ser minha. E durante as sessões, eu fui mudando minha postura.

Cheguei pra ela um dia e falei que estava assumindo um compromisso. Informei os horários que não poderia ficar na agência mas que iria me organizar para atender bem os trabalhos. Comecei a comer direito, parei de dizer sim pra tudo. Quando dizia não, explicava porque não dava pra fazer com clareza. Não foi fácil, foi um esforço enorme mas ela entendia a situação.

Comecei a fazer academia, fazia aula de boxe e jogava toda a minha raiva no saco. Isso me acalmava no dia-a-dia.
Depois de umas 8 sessões de terapia, lembro que estava um dia até tarde trabalhando quando ela parou e me olhou:

 - O que você está fazendo?
- Como?
- O que você está fazendo? Você está diferente, mais confiante, mais bonita. Estou até querendo confiar trabalhos mais importantes para você.

Eu contei que estava fazendo terapia, comecei academia, estava organizando melhor minha vida.
- Que bom. Está te fazendo bem.

E a coisa mudou. Tomei coragem e disse a ela como me sentia. Falei que precisava ser reconhecida, que precisava do apoio dela. Que eu gostava muito de trabalhar ali mas que era fundamental que estivéssemos juntas no trabalho. Ela passou a me respeitar mais, olhar nos meus olhos, me ouvir, pedir minha opinião, elogiar mais.

Um dia o presidente da agência entrou na sala. O cara era um Deus, não falava com ninguém:

- Loirinha, vim aqui pra dizer que a apresentação pra Coca-Cola que você fez estava mais bonita que a campanha criada pelo nosso diretor de criação.

O planejamento inteiro da agência bateu palmas. O Diretor de Criação estava junto, sorrindo e piscando pra mim. Fiquei roxa. Ele saiu da sala, eu estava explodindo de alegria afinal me dedicava com todo o carinho no trabalho.

Ela entrou em seguida e falou na frente de todos:
- Viu como te reconheço? Pedi pra ele vir aqui falar com você.
Enfim... era como ela sabia fazer.

Mas no fim das contas a vida é assim mesmo, passei 7 anos ao lado dessa mulher. Cresci horrores, aprendi na dor, no amor mas não desisti. Quando resolvi sair da agência para montar o meu negócio, ela tinha acabado de perder a mãe. Me disse: - Estou perdendo 2 pessoas muito importantes na minha vida. Mas você precisa voar, está na sua hora. Não posso competir com seus sonhos.

Chorei um monte. Foi difícil. Agradeço todos os dias por ter passado por isso e ter vencido meus monstros. O fato de não ter desistido mesmo com todas as dificuldades me fizeram ser quem sou hoje. Peguei as coisas ruins para nunca repetir com meus funcionários. Peguei as coisas boas pra usar pra sempre.

Tenho vários aprendizados dessa história.

O primeiro deles: nunca deixe ninguém te dizer que não é capaz. 
Olhe para você e vença seus monstros, você é seu maior inimigo. E muitas vezes é preciso pedir ajuda e estar aberto pra aprender.

O segundo: temos que nos unir, nós, mulheres.
A minha geração nasceu com o estigma de que os homens eram melhores em tudo. Que não precisavam ajudar em casa, que tinham os melhores cargos nas empresas. Meus irmãos e primos eram tratados como Deuzinhos em casa. Não lavavam louça, não limpavam a casa, eram servidos na mesa. Minha mãe se separou quando eu tinha 5 anos, perdeu o emprego, foi advogar em porta de cadeia pra sustentar a gente porque meu pai a abandonou. Sempre dizia: - filha, nunca dependa de ninguém, sempre faça o seu ganha pão. Homem nenhum vai te ajudar.

Lá no fundo somos um poço de emoções que oscilam todo mês, entre nossos períodos menstruais. Só que para parecer competente, pra parecer forte anulamos nosso feminino e criamos um carrasco dentro de nós. Eu fiz isso. Queria controlar tudo assim como minha chefe fazia e nosso inspiração eram os homens: frios, calculistas, focados em resultados.

No fim das contas, ela, eu e uma grande parte das mulheres,  somos reféns da cultura que vivemos. Deixamos o cuidado, o carinho, o maternal de lado e o pior de tudo isso, olhamos as outras mulheres como nossas inimigas, como nossas rivais.

Eu venci, virei a chave. A minha chefe foi uma escola, ela cresceu comigo nesse processo, também se lapidou, também está melhor e mais feliz. Sem querer, ela me ensinou a ter mais empatia. Só quando consegui entender ela é que comecei a me entender.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Obrigada por se permitir ser vulnerável




Termino 2017 com essa frase pulsando em mim. Frase escrita pra mim por uma pessoa desconhecida, durante um curso de Comunicação Não-Violenta no qual me aventurei fazer pela segunda vez esse ano. 

Entre as tantas atividades que realizamos nesse curso onde a proposta é encontrar a si mesmo para se encontrar com o outro por meio da empatia, fiz um exercício: criar um envelope com meu próprio nome e colocar na parede para que outras pessoas pudessem escrever mensagens pra mim. 

Um detalhe: no primeiro curso que fiz há 2 anos atrás, não consegui me conectar com ninguém e minha caixinha ganhou 2 mensagens de quem eu já conhecia. 

Dessa vez, recebi 9 mensagens, cada uma escrita com muito coração e conexão.

Me formei em comunicação social justamente pela minha inabilidade de me comunicar com as outras pessoas. Como primogênita, carreguei por muitos anos a bandeira de ser o exemplo para meus irmãos e a referência de uma mãe que tinha que trabalhar enlouquecidamente para dar conta de 3 filhos sozinha. Na pré-escola me tornei CDF e melhor amiga dos professores pra sobreviver ao medo de apanhar de novo e de novo de uma menina que me mordia e arranhava todas as vezes que eu queria brincar com outras crianças que não fosse ela mesma. 

Aos 9 anos me calei de vez porque outra menina, pediu para um tio meu me avisar que eu não poderia ir mais na casa dela - onde eu ia praticamente todos os dias das férias pois achava que ela era minha super amiga na época - porque eu falava de coisas profundas demais. E isso era chato demais pra ela e pros amigos dela.

Por mais de 20 anos, me tranquei num mundo de culpa, vergonha e medo de não gostarem de mim, sem festas de aniversário, sem encontros de galera, me relacionando com pouquíssima gente e sempre com muito receio de demonstrar quem eu sou de verdade. O mais louco desse processo foi perceber que eu deixei de me conhecer e criei, para agradar aos outros, uma imagem estranha de mim mesma.

E essa imagem era perfeita: comprometida, esforçada, forte e determinada. Me fechei no meu mundo e fazia com total dedicação os trabalhos da escola, da faculdade, os projetos dos empregos em que já estive e colocava o nome de todos ao meu redor. Não queria aparecer, não queria ser o centro. E quando alguém tentava se aproximar eu repelia. Não precisava de praticamente ninguém. Me dediquei a uma amiga por vez, um namorado, minha família de maneira bem fria e olhe lá!

Dentro de mim, adotei uma postura fechada e até mesmo grosseira, numa busca incansável pela perfeição. Para mim era praticamente impossível compreender como as pessoas poderiam viver suas vidas sem se entregarem 100% à perfeição do que estavam fazendo. Eu me irritava com bagunça, com preguiça, com gente que não se esforçava pra estudar ou se aprimorar na vida. Eu me irritava muito, pode ter certeza. Rodeada pelo julgamento, todo mundo era pior que eu. E os que eram melhores eram tão melhores que eu me sentia piorada e me fechava ainda mais.

O que eu não sabia é que o mundo não poderia ser medido pelo meu modelo ideal, que aliás, estava longe de ser “ideal”.

Aos 26 anos, trabalhando numa das melhores agências de propaganda de São Paulo, passei a visitar o hospital todos os meses com uma dor horrível. Uma gastrite crônica virou úlcera e isso me assustou profundamente. Nessa época, entrava na agência as 9h da manhã e muitas vezes, saia na madruga. No outro dia estava lá de novo, às 9h da manhã. Era um ciclo insano, sempre dizendo sim pra tudo o que me pediam. Nos fins de semana eu estava tão cansada que simplesmente dormia o dia todo. O que não falei ainda é que fui mãe aos 22 e nessa época, minha filha tinha uns 4 ou 5 anos. Era horrível não vê-la a semana toda - que tinha que morar na casa da avó por conta dos meus horários malucos -  e no fim de semana, não ter nenhuma energia para estar com ela.

Esse era o meu modelo de perfeição? Eu tinha ataques de pânico, taquicardia, engordei 20 quilos, estava infeliz no trabalho, sem grana, sem conviver com a minha filha, destruindo meu casamento e ainda por cima, com úlcera! Que modelo bacana era esse?

Um dia entrei num centro espírita em frente à agência que eu trabalhava. Tinha terapia de graça por lá e marquei algumas sessões. Percebi que não dava pra ser heroína e pedi ajuda pela primeira vez na vida. Nesse Centro passei a estudar sobre o espiritismo, sobre evolução, reforma íntima e principalmente, sobre as nossas dificuldades como seres carnais e espirituais.

Alguns meses depois procurei uma analista para dar andamento ao processo e fiquei pasma quando depois de um ano e meio me analisando, percebi o quanto eu estava desconectada de mim mesma. Quem era a Joyce? Do que ela gostava? O que era esse vazio que tinha dentro do peito? Porque se deixou seguir assim tão pouco gentil consigo mesma?

Lembro um dia que uma amiga, a Eli me ligou e perguntou se eu ia numa festa que tínhamos sido convidadas. Estava chovendo aos cântaros e ela tinha carro, eu não. Falei que não ia por causa da chuva e porque estava sem grana para um táxi mas, dentro de mim, estava achando um absurdo ela me perguntar isso sem me oferecer uma carona.

Lembro que ela desligou o telefone e eu fiquei com um sentimento de raiva. - Egoísta!! – pensava dentro de mim.

Alguns minutos ela me ligou de novo e falou: - Você não vai me pedir carona? Eu não vou te dar carona se você não me pedir. Você precisa aprender a pedir as coisas pras pessoas! Você nunca pede nada!!!

Nesse dia eu aprendi a pedir. E o mais louco é que aprendi a doar também. Não foi do dia pra noite. Foi um processo lento e doloroso de jogar meu orgulho, meu controle de lado e começar uma nova Joyce mais frágil, mais vulnerável, que precisava aprender a ouvir "sim" e também "não", após um pedido sincero. Não era uma questão de me humilhar como eu pensava antes, mas de me abrir pro outro com uma verdade sincera. E ao perceber isso, passei a olhar a fragilidade do outro como algo sublime.

Recentemente, minha filha entrou na faculdade. Não foi fácil. Foi um ano e meio de cursinho, em meio a crises horríveis por não passar na faculdade que ela queria. Numa dessas crises eu disse pra ela: - Filha, você não está passando porque não está se esforçando de verdade. Lembro dos meus primos que passaram em faculdades bacanas, eles ficaram um ano inteiro se dedicando 100%. Eu mesma na época do vestibular não fazia mais nada. Não tinha feriado, nem fim de semana, nem festa nem amigos. Se você continuar assim, saindo com os amigos, namorando e se divertindo, como vai querer passar?

Ela olhou nos meus olhos e disse: - Mãe, não acredito nesse modelo que você vive. Olha só, você trabalha muitas horas por dia. Sai pouco, viaja pouco, se diverte pouco. Acho que na vida a gente tem que ter equilíbrio, sabe? E como você acha que eu vou ficar se eu só focar no estudo? Quando estudo por 5 horas seguidas, minha cabeça para de funcionar. Acho que minha cabeça é diferente da sua porque eu paro de aprender. Acho que nessa vida a gente tem que equilibrar namoro, estudo, trabalho, lazer, descanso. É nisso que acredito.

Seis meses depois ela entrou na faculdade que queria e está virando noites como os novos colegas, com um tesão de estudar maravilhoso. Mas continua fazendo outras coisas...

Pois é, a maior novidade é que, depois que aprendi a pedir e me doar mais, também aprendi a ouvir. E só por isso consegui perceber o que minha filha quis me dizer nesse dia. E ela só conseguiu me dizer isso, com essa clareza toda, porque quando ela fez 15 anos, eu falei pra ela que eu gostaria de deixar para ela um legado: aprender a olhar o mundo sob diferentes visões e que a terapia seria capaz de ajudá-la. Foi um ano de conversa pra ajudar ela a enxergar isso, o que aconteceu porque ela percebeu as mudanças em mim mesma. Desde então, ela também faz análise e estamos fortalecendo nossos aprendizados, juntas.


(foto tirada no curso, durante um dos exercícios de conexão empática)

Voltando ao Curso de Comunicação Não-Violenta que comentei no início, dentre os bilhetes que recebi, a Carol, uma querida que estava por lá, me escreveu o seguinte texto: “Eu quero te agradecer e te parabenizar pela sua entrega. Tenho certeza que foi muito contato com a vulnerabilidade expor a situação do seu irmão. São questões profundas. Parabéns pela coragem.”


Nem preciso dizer que chorei bicas com cada palavra, não só dela, mas de todos que me escreveram. Pra mim está sendo uma prova de fogo me abrir, me expor e acreditar que sim, pode ter gente que goste disso e pode ter gente que ache tudo uma bobagem. Mas pra mim, ser vulnerável está sendo maravilhoso e me aproxima da Joyce real, verdadeira, que erra mas também acerta. Que acerta mas também erra. E que mesmo assim, tem dentro de si a certeza que vai ficar tudo bem.

domingo, 20 de abril de 2014

Deus não premia nem castiga


















Obrigada pela presença de todos. Pra começar, gostaria de dividir com vocês um pensamento: 

Dentro de cada um de nós existe um sentimento da existência de Deus.

E isso não vem de hoje. Na antiguidade, muitos homens acreditavam que existiam Deuses para cada um dos fenômenos que não conseguiam controlar ou explicar: Deus do Sol, da Lua, da Chuva, Deus do Trovão...

Com o passar do tempo, o homem foi evoluindo e Deus foi mudando suas características.

No velho testamento, vemos um Deus vingativo, ditador, até mesmo sádico, um Deus que excluía alguns e tinha preferências por outros. Esse Deus recebia conselhos dos homens e mandava matar a todos que adoravam outros deuses.

Não foi a toa que a grande maioria dos homens do ocidente não entendeu quando Jesus apareceu dizendo ser o filho de Deus e Salvador. Num período tão violento da história, eles aguardavam um Salvador guerreiro que viria fazer justiça pela espada. O amor incondicional pregado por Jesus não combinava com a época em que ele esteve na terra, um período sem lei, onde matar uns aos outros era algo do cotidiano.
Depois disso a humanidade matou quem não acreditava no Deus de Moisés, depois matou quem não acreditava no Deus de Jesus. Alguns povos se matam até hoje para impor suas crenças e tem suas verdades como absolutas.

Estamos em 2014. O que mudou? 

Hoje, não todos ainda, infelizmente, mas grande parte da humanidade tem liberdade de acreditar e de expressar suas crenças. Vemos morando numa mesma casa: ateus, umbandistas, cristãos, budistas, evangélicos, espíritas etc. É comum, em função dessa diversidade, as famílias combinarem entre si que religião ou crenças são temas proibidos (maneira saudável de evitar brigas).

Para alguns Deus é bondade pura; para outros, Deus é rigoroso e ir contra suas leis condena o pecador a castigos atrozes; ainda para terceiros, Deus sequer existe, é uma invenção para acalentar corações.

Para nós, espíritas, temos o Livro dos Espíritos que nos ajuda a responder quem é Deus através da questão número 1:

Q. nº 1: O que é Deus?“Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.


Partindo do princípio que Deus é inteligência suprema, então, ele não pode ser comparável a nós homens, com nossas dificuldades e deficiências, então, é inviável para Deus ficar bravo com nossos atos ou feliz com nossas glórias. Isso seria comparar Deus ao homem e suas confusas emoções.

Se acreditarmos que não há efeito sem causa e Deus é causa primária, então tudo o que o homem não criou só pode ser obra de Deus. Colocamos nessa lista o céu, a terra, as águas, o sol, o universo, as estrelas, as plantas, os animais e a nós mesmos. E se todo efeito tem uma causa, isso também se aplica às nossas vidas.
Desde o nascimento temos a liberdade de escolher, ou seja, temos o livre-arbítrio como máxima de nossas vidas. Temos a liberdade de fazer o nosso próprio caminho.

O que é bem ou mal, experimentamos todos os dias na prática. Se a mãe avisa que enfiar o dedo na tomada é “mal” e nós não acreditamos, ao enfiar o dedo na tomada tomamos um choque e aprendemos que isso pode nos machucar.

Assim, vamos crescendo e experimentando coisas que nos fazem bem e coisas que nos fazem mal e por experiência, temos dentro de nós a busca pelo bem, pois também buscamos aquilo que nos faz mais felizes. Se acreditarmos em Deus, ou se acreditamos simplesmente na evolução de nós mesmos, também acreditamos que o melhor caminho só pode ser o do bem, pois o do mal quase sempre acarreta dores profundas. Se pensarmos em um exemplo do bem, é quase imediato pensarmos em Jesus.

Quem era Jesus? O que o mantém vivo 2014 anos depois? 

A obra de Cristo é cercada de ensinamentos de humildade, misericórdia, piedade, entrega e bondade. Cristo realmente sabia pegar algo ruim e transformar em algo bom. Mesmo nos momentos mais atrozes de sua história, ele pedia perdão ao Pai pelos atos cometidos pelos homens.Suas ações nos deixaram claro o caminho para chegar ao bem supremo, representado pelo Pai Celestial. Cristo nos deixa o exemplo, nos deixa um manual, um passo-a-passo de como evoluir. Basta estudar a sua história, a sua trajetória, os seus atos e poderemos enxergar claramente o caminho da evolução de nossas almas.

E quando pensamos em seus ensinamentos, eu pergunto: em que pé estamos em nossa trajetória?

Estamos próximos ao Pai ou ainda muito longe? As escolhas ao longo desse processo são nossas ou de Deus? Se vou seguir à esquerda ou à direita, quem determina sou eu mesmo ou Deus?

Pergunto: quantas vezes entramos em uma loja e tratamos bem as pessoas ao redor? De acordo com nossas ações, o que temos em troca? Será que Deus é responsável por essa reação das pessoas? Deus é responsável pelo sentimento ruim que recebemos ao emanar um sentimento ruim para outra pessoa?

Hoje mesmo me perguntaram: como Deus pode ser tão injusto? Como pode deixar crianças passarem fome na África, outras crianças inocentes serem estupradas e mortas? Como Deus deixa algo assim acontecer sem fazer nada?

Para responder essa questão, temos que levar em consideração nossas escolhas e também, as consequências dessas escolhas.

É um fato que ao praticar uma boa ação, logo ali na frente, muitas vezes de maneira instantânea, há uma reação. Como espíritas, temos consciência de que a lei de ação e reação não se limita a espaços curtos de tempo.  Se a nossa vida não acaba aqui, sabemos que levamos os efeitos e causas para outras existências. Seria muita pretensão achar que podemos aprontar um monte por aqui e isso tudo não nos afetar após a morte.

Seria muito fácil nascer em outra vida e começar do zero, limpinho, perdoado por tudo e todos que você destruiu no caminho.


Há alguns dias assisti um filme baseado em fatos reais: a história da Natasha Kampush que ficou 8 anos em cativeiro. 

O sequestrador a estuprou, a fez passar fome e acreditar que não podia fugir por todos esses anos. Ela tinha um pavor tão grande dele que quando ele começou, depois de muitos anos a levá-la para passear em lugares públicos, ela simplesmente não conseguia fugir.
Depois de 8 anos, Natasha enfim conseguiu fugir e logo após a sua fuga, o sequestrador se matou ao se jogar na frente de um trem.
As razões de sua morte não são claras. Não dá pra saber se ele se matou por medo de ser preso ou por peso na consciência, mas o fato é que não existe um único caminho a se seguir, mas qualquer caminho que escolhemos, no fim de tudo, nos levará à busca pelo perdão.
A consciência é o nosso maior algoz que, mais cedo ou mais tarde, irá nos cobrar por nossos atos.
Vamos supor que o sequestrador da Natasha, em um dado momento, seja numa existência próxima ou em outras posteriores, irá um dia se deparar com sua própria consciência. E dessa consciência irá nascer o arrependimento.

O arrependimento causa uma dor horrível e é um fato que, muitas vezes, é mais fácil perdoar a quem te fez um mal do que perdoar a si mesmo.


Na busca pelo perdão de Natasha e pelo perdão de si mesmo, o sequestrador poderá seguir por vários caminhos. Poderá pedir o perdão de Natasha, poderá nascer novamente e recebê-la como filha para amá-la e cuidar dela. Nós nem imaginamos a infinidade de coisas que podem ser feitas. 

Porém, muitas vezes, pessoas que fizeram algo muito ruim só encontram a paz ao se colocarem na mesma situação de sua vítima.


Então pedem à espiritualidade para voltarem ao planeta e passarem por situações similares às que causaram, como forma de resgatar os seus próprios erros. O próprio livro dos espíritos nos relata situações como essa.

Livro dos Espíritos: Q. 258. No estado errante, antes de nova existência corpórea, o Espírito tem consciência e previsão do que lhe vai acontecer durante a vida?

Ele mesmo escolhe o gênero de provas que deseja sofrer; nisto consiste o seu livre-arbítrio.


Q. 258. A) Não é Deus quem lhe impõe as tribulações da vida, como castigo? 

Nada acontece sem a permissão de Deus, porque foi ele quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo.Dando ao Espírito a liberdade de escolha, deixa-lhe toda a responsabilidade dos seus atos e das suas conseqüências; nada lhe estorva o futuro; o caminho do bem está à sua frente, como o do mal. Mas se sucumbir, ainda lhe resta uma consolação, a de que nem tudo se acabou para ele, pois Deus, na sua bondade, permite-lhe recomeçar o que foi malfeito.  É necessário distinguir o que é obra da vontade de Deus e o que é da vontade do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós que o criastes, mas Deus; tivestes, porém, a vontade de vos expordes a ele, porque o considerastes um meio de adiantamento; e Deus o permitiu.

Q. 259. Se o Espírito escolhe o gênero de provas que deve sofrer, todas as tribulações da vida foram previstas e escolhidas por nós?

Todas, não, pois não se pode dizer que escolhestes e previstes tudo o que vos acontece no mundo, até as menores coisas. Escolhestes o gênero de provas; os detalhes são conseqüências da posição escolhida, e freqüentemente de vossas próprias ações.

Se o Espírito quis nascer entre malfeitores, por exemplo, já sabia a que deslizes se expunha, mas não conhecia cada um dos atos que praticaria; esses atos são produtos de sua vontade ou do seu livre-arbítrio. O Espírito sabe que, escolhendo esse caminho, terá de passar por esse gênero de lutas; e sabe de que natureza são as vicissitudes que irá encontrar; mas não sabe quais os acontecimentos que o aguardam. Os detalhes nascem das circunstâncias e da força das coisas. 

Só os grandes acontecimentos, aqueles que influem no destino, estão previstos. Se tomas um caminho cheio de desvios, sabes que deves ter muitas precauções, porque corres o perigo de cair, mas não sabes quando cairás, e pode ser que nem caias, se fores bastante prudente. Se, ao passar pela rua, uma telha te cair na cabeça, não penses que estava escrito, como vulgarmente se diz.

Para contextualizar um pouco, vemos que se o espírito vem à Terra por diversas encarnações e o roubo é sempre o que o faz sucumbir, o espírito pode escolher nascer entre pessoas que roubam. Somente assim ele conseguirá vencer seus instintos de vez.

Hoje, ainda temos na terra muitas pessoas que precisam vencer tendências suicidas, tendências ao roubo ou ao assassinato. Infelizmente, temos entre nós tendências quase primatas a serem resolvidas.
Ao evoluirmos, tais instintos já não nos perturbam mais. Quando vencemos a tendência de roubar, o espírito não se sente mais tentado a praticar essa ação, esteja onde estiver. Isso é fruto da evolução.

E já podemos perceber uma evolução entre nós. No mundo atual, temos leis que condenam esses atos.  Ainda estamos longe de uma lei justa que reintegre essas pessoas à sociedade, mas se pararmos para pensar, há pouco tempo atrás as leis nem sequer existiam. 

Quando vencermos as tendências animalescas, partiremos para questões cada vez mais complexas e menos carnais. Passaremos a lutar contra o orgulho, contra a avareza, contra a impaciência. Aprenderemos a amar a Deus, o que significa amar tudo o que ele criou: o planeta, os animais, as plantas, o céu, o ar, a água. E vejam, no fim dessa lista, aprenderemos a amar o homem. Mais um adendo, temos que aprender a nos amar antes de amar o outro. O caminho é longo...

Se não soubermos nos amar, nos perdoar, se não procurarmos nos conhecer e tomar consciência de nossos atos, é praticamente impossível amar o próximo.

Para amar o outro eu preciso estar feliz com meus próprios atos, preciso estar satisfeito comigo mesmo. Quando somos ignorantes e não temos consciência, isso é fácil. Não pensamos muito no assunto. Mas quanto mais consciência e conhecimento nós tivermos, mais a nossa responsabilidade irá aumentar.

Essa responsabilidade gira em torno de tudo o que fazemos. Mesmo não entendendo e não tendo lembrança das razões, muitas vezes a vida nos premia com filhos que não são nossos, com parentes doentes, com a responsabilidade de cuidar sozinho de avós ou dos pais e irmãos. Muitas vezes somos premiados com a doença, com a necessidade de termos que aceitar a ajuda de outras pessoas para fazer uma coisa simples como pentear o cabelo, vestir uma calça, ir ao banheiro. Quantos de nós nos rebelamos contra isso, nos sentimos humilhados e inúteis? Será que isso tudo não foi fruto de nossas próprias escolhas?


Todas as nossas experiências devem ser analisadas e aproveitadas para promover boas ações.


Algumas vezes somos premiados com algo que parece muito bom para os padrões da terra, imagine ganhar na megasena? Mesmo nessas provas, que parecem ter somente seu lado bom, é preciso estar atento. Ganhar uma grande quantia pode ser maravilhoso mas também pode nos levar a sucumbir por caminhos tortuosos, do orgulho, da avareza, que acarretam erros que você terá que resgatar por muitos e muitos anos.

Muitas vezes essa vida em que estamos não nos permite ver a extensão de nossos atos. Tanto a recompensa quanto o resgate estão lá adiante, disso podemos ter certeza.


Ficar atento é a coisa mais importante a ser feita nesse processo e pode nos ajudar a identificar o que devemos trabalhar para acelerar o processo evolutivo.

Fique atento ao que parece muito difícil. Normalmente, o que é muito difícil para nós é aquilo que está dentro das provas que temos que passar. Se ter paciência é a coisa mais difícil, tente trabalhar, justamente, a paciência.

Fique atento ao que se repete. Se a sua mãe sempre lhe diz que você é orgulhoso, que é avarento, se seus irmãos e amigos reclamam da mesma coisa e se o seu marido ou esposa acabam voltando na mesma questão, preste atenção. Pode estar aí o grande trunfo da sua evolução. Trabalhe isso e verá que tudo se encaminha.

Deus nos deu a liberdade de escolher e também, nos dá a liberdade de resgatar. Os prêmios e os castigos de cada ato são fruto do nosso trabalho, fruto de nossas escolhas, então, escolhamos o bem para colhermos o bem.


Gostaria de deixar aqui uma mensagem e finalizar com esse vídeo. 

A resposta ao vídeo? 
Está em nós.

Obrigada.




Palestra realizada no Centro Espirita de Educação em 20/02/2014 por Joyce Baena.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Terapia do Perdão


Olá queridos irmãos. Boa noite a todos.
Para começar o assunto de hoje, vou fazer uma pergunta a todos e gostaria de convidá-los a uma breve reflexão. No último ano, vocês lembram quantas pessoas lhe ofenderam?
E por outro lado, lembram quantas pessoas você ofendeu?
Provavelmente, lembraremos muito mais das ofensas que recebemos do que das que fizemos...
Mas por que isso acontece?
Somos tão diferentes culturalmente, socialmente e moralmente entre todos nós, que, muitas vezes, o que é uma ofensa para o outro pode não ser para mim e vice-e-versa. Justamente por essas diferenças, muitas vezes acabamos ofendendo pessoas sem ter nem ideia do que fizemos.
Se quem faz o mal não tem consciência do que fez, não há arrependimento, e sem arrependimento, também não há sofrimento para o ofensor. Quem acaba sofrendo sozinho é o ofendido.
Mas não é sempre assim.

Existem grupos de pessoas que sentem prazer em promover a discórdia. Começam a te ofender, humilhar. Se a pessoa te conhece um pouco então, ela usa exatamente as coisas que mais te irritam para te fazer sair do eixo, causando desequilíbrio.
É só pensar como funciona a mente das pessoas que fazem o mal por perversidade: Elas mentem sem pestanejar e com muita naturalidade, sempre visando objetivos desse mundo. Atacam as pessoas ao redor porque se sentem desorientadas e infelizes, por isso agridem. A agressão lhes dá uma sensação momentânea de vitória, porque sentem que o outro está sentindo um pouco do seu próprio sofrimento, acreditam que tem o poder de desiquilibrar o outro pelas próprias mãos.
É como se elas nivelassem os outros em sua própria faixa vibratória, pois não acreditam em evolução, em crescimento moral. Estão sempre dando voltas em si mesmas. Muitas se consideram o centro do universo e acham que tudo gira ao seu redor, que podem tudo e fazem o que quiserem com os outros.
Vemos pessoas assim o tempo todo. Na rua, nos supermercados, no nosso trabalho, dentro da nossa própria família. As novelas e filmes retratam pessoas assim o tempo todo.
Por fora, é praticamente impossível reconhecê-las, pois falam bem, se vestem bem e muitas vezes, são muito educadas e polidas. Mas quando abrem suas bocas e expõem seus pensamentos, conseguimos identificar a tempestade que existe em seu mundo interior: sonhos de poder, destaque, dominação, dinheiro. O seu mundo é fundamentado no egoísmo, no ser superior que acreditam ser. Para chegar onde querem, não medem esforços e pisam em quem for necessário.
Infelizmente, essas pessoas são doentes graves da alma, pois ignoram que estão no estágio primário de evolução e o quanto isso lhes faz mal. Revidar essas pessoas é como dar a eles o alimento que precisam para continuar com sua conduta inferior. Quanto mais você briga, mais eles se comprazem.
Quando o ofensor não tem consciência, nem saberá da ofensa. Quando faz de propósito, ficar ofendido só irá alimentar ainda mais a sua busca por ofender mais e mais.

Por outro lado, obviamente, quem sofreu a ofensa tem todo o direito de querer manter distância e que se ressinta do ofensor. É totalmente compreensível que queira se preservar de novas ofensas. E quem se sente ofendido muitas vezes, em seu rancor e orgulho ferido, acaba decidindo por não falar mais com aquela pessoa.
Mas se você quer criar um vinculo muito forte com alguém basta ficar com raiva da pessoa. Com certeza, você vai pensar nela sempre, todos os dias, a todos os momentos.
Quando estamos com raiva, o simples fato de não querermos cruzar com a pessoa faz com que estejamos atentos o tempo todo para ver se a pessoa está por perto.
Se vamos a uma festa e pensamos que fulano pode estar presente, pronto. Acaba o sossego. O tempo todo ficamos olhando para a porta, ligados e intrigados.
E se a pessoa não aparecer, ainda dizemos aos amigos - Ai, graças a Deus tal pessoa não apareceu aqui hoje, tudo o que eu não queria era encontrar com ela. E se o amigo não sabe da razão, fazemos questão de contar como fomos ofendidos, com todas as letras e muita emoção, para que o amigo se sinta tão ofendido quanto ficamos com o acontecido.
Preservar um ressentimento faz com que vitalizemos a infelicidade, mantendo ela sempre presente em nossas emoções. Quanto mais raiva, mais difícil esquecer o que aconteceu.
Ódio, ciúme, medo, ressentimento e remorso são sentimentos que nos causam distúrbios emocionais muito fortes. Esses sentimentos são responsáveis por uma grande variedade de doenças tais como gastrite, enxaqueca, dores na coluna e até câncer. Esses sentimentos mexem diretamente com nosso sistema nervoso central e também com nosso sistema imunológico.
Para nos libertarmos desses sentimentos, o perdão é um balsamo maravilhoso. Mas não basta dizer eu perdoo. É preciso que seja real, e para ser real, temos que perdoar conscientemente do que estamos fazendo.
Para ter consciência do perdão, precisamos primeiro entender como somos complexos  e que não podemos tratar tudo e todos da mesma forma. Cada caso é um caso. Cada história é uma história. Procurar entender a complexidade e a origem das coisas é muito importante.
Quanto mais conhecimento há do assunto, mais entendemos a causa do que aconteceu, mais entendemos o que levou aquele indivíduo a praticar o mal, o que ele passou na vida, sua triste história e como ele foi se tornar daquele jeito.
Quanto mais consciência real nós temos, mais poderemos organizar os nossos sentimentos e, consequentemente, transformá-los: entender porque aquela pessoa fez aquilo, o que a levou a agir assim pode ajudá-lo a transformar raiva em compaixão.
Temos visto situações drásticas de famílias que tiveram seus filhos assassinados e perdoaram o assassino, inclusive indo visitá-los na cadeia. Outro dia uma amiga me disse: eu que nunca perdoaria alguém que matou meu filho.
É uma situação muito difícil de enfrentar, mas talvez, o perdão seja a única coisa possível de ser feita para acalmar a alma, para acalentar o espírito. Imagine viver cada dia da sua vida com ódio e com sede de vingança. Nada vai pra frente. Você não consegue fazer absolutamente nada, fica cego diante de tudo o que está ao seu redor.
Se você tem mais de um filho e perde um deles, cegar seu coração vai matar não só o filho que já morreu, mas também o que está vivo.
Transformar ódio em compaixão nos dá a possibilidade de salvar vidas, nos dá a possibilidade de entregar a outra face, palavra tão sábia de nosso mestre Jesus.
Entregar a outra face não é pedir ao outro para bater, mas sim, vibrar ao contrário, mudar a paisagem. É ter o poder de mudar o ponto de vista da situação e aquilo que nos afetava tanto, passa a não afetar mais.
A lei da causa e efeito nos mostra que todas as nossas ações voltam em força igual contra nós mesmos. Então, a pessoa que faz o mal para o outro irá receber seu troco da própria vida, cedo ou tarde, nesta vida ou na próxima. Assim, como quem faz o bem, também receberá seu troco na mesma moeda.
Se você se sente ofendido, ao invés de sentir raiva, tente analisar se a pessoa tem consciência do mal que foi feito. Tente entender, de maneira consciente o que causou a ofensa e veja se a outra pessoa tem interesse em mudar sua atitude.
Em outra situação, procure analisar e veja a agressão que recebeu como uma experiência que precisava para sua própria evolução. Com esse sentimento, automaticamente a raiva se dissipará e você tirará o poder do outro de te intoxicar com seus venenos.
Pratique o caminho inverso:
No meio da discussão, ofereça o silêncio.
No meio das lágrimas, ofereça o primeiro sorriso.
Na escuridão, acenda a luz.
Na falta de ensinamento, ensine o que souber, mesmo que seja pouco.
Frente a arrogância, ofereça a humildade, às vezes o outro precisa ser escutado.
No meio do desconforto, tente trazer o conforto, o abraço.
Se as portas estiverem fechadas, vá por outro caminho, você pode encontrar flores muito mais bonitas.
Se estiver frio, acenda uma fogueira.
Se estiver calor, traga a água refrescante.
Para cada posição negativa, veja o lado positivo. Tudo tem dois lados, tudo é aprendizado.
O perdão é o equilíbrio do pêndulo que existe dentro de nós, é a organização de nosso eixo central para que possamos caminhar em frente, sem levarmos amarras que nos arrastam para um lado ou para o outro, ou mesmo que nos puxam para trás.
Cada um de nós tem compromissos muito importantes. É nisso que devemos gastar nosso tempo e energia.
Quando perceber que está desequilibrado faça uma oração e peça aos amigos espirituais para lhe ajudarem a reestabelecer o equilíbrio.
Espero que todos nós encontremos nossos eixos de equilíbrio e possamos tornar o perdão, algo comum e simples em nossas vidas.
Muito obrigada pela oportunidade.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Minha morte em vida



Minha morte em vida aconteceu numa sexta-feira 13 em algum lugar ao sul do estado da Bahia, no Brasil.

Passei mal na noite anterior. Breves calafrios foram se acentuando ao longo do dia. Fiz um passeio de barco com meus amigos e após um almoço delicioso, porém, acompanhado de muitas dores nas juntas,  enfim, cheguei na casa de praia, tomei um banho e resolvi deitar.

Quando o sol já se punha, senti meu corpo mais leve e fiquei feliz, a dor tinha passado. Que bom que nem precisei ir atrás do médico da vila. Sentei na cama, me espreguicei como habitualmente faço todas as manhãs e fui ver como estavam os outros.

Meu marido e 2 amigos jogavam baralho na varanda. Me sentei e fiquei longos minutos a observar. Ainda um pouco tonta não emiti som algum, apenas olhei minha cachorrinha que me abanou o rabo como sempre.

Minha filha e minha amiga chegaram da ida ao mercado para comprar detergente. Passaram direto por mim e, de repente, minha filha gritou: MAEEEEE!!!

Saí correndo em direção ao quarto e qual não foi o meu susto quando me vi, petrificada sob a cama, como se eu houvesse me desdobrado em duas.

Para qualquer ser humano mais leigo, tudo poderia parecer loucura, porém, meus longos estudos sobre a espiritualidade e suas características me colocaram em posição de, pelo menos, saber o que estava acontecendo.

Sentei ao lado da minha filha, passei as mãos em seus cabelos e enxuguei suas lágrimas que começavam a encharcar seu rostinho angelical.

Minha experiência dizia: não há saída, meu tempo com aquele corpo havia se esgotado.

Uma leve brisa bateu em meu coração nesse momento e senti uma tristeza profunda de perceber quanto tempo desperdiçado com tolices, com quimeras materiais e brigas inúteis. Nessas horas você sente a vida escorregando como areia pelos dedos, deixando apenas grãos que serão levados pelo tempo.

A luz do quarto estava diferente, eu podia ver um leve clarão se apossar do ambiente e com o canto dos olhos pude vislumbrar uma figura antiga, muito querida vindo em minha direção.

Por muitas vezes ouvi dizer que no momento derradeiro, quando há merecimento, somos recebidos por entes queridos. Algo de bom eu devo ter feito para ser recebida pelo avozinho querido. Então, uma ponta de esperança se abriu em meu coração, um abraço afetuoso me embalou e, com lágrimas nos olhos, avistei mais uma vez minha pequena família, meus amigos queridos, todos ao meu redor e totalmente desprovidos da minha visão, sem ideia do que pudesse estar acontecendo do lado de cá.

Num misto de tristeza e de esperança aceitei o novo caminho que se abria a minha frente e segui com o avozinho para o desconhecido. Em meu ser eu queria ficar, voltar atrás, entrar novamente em meu corpo e abraçar minha filha. Mas em meu mais profundo ser, eu sabia que tudo já estava certo, traçado e combinado e que, a partir de agora, uma nova experiência me aguardava, uma nova fase para a evolução do meu espírito.

Não tenho ao certo o que vem por aí, se o esquecimento completo ou a clareza dos fatos. É como a roupa que precisa ser lavada porque simplesmente está suja. Pode ser no tanque, na máquina ou na mão, não importa como, mas tem que lavar.

Já ouvi dizer que tudo vem de acordo com o que é necessário para cada um. Talvez o esquecimento seja um conforto, mas saber dos fatos, se eu estiver preparada, pode me ajudar a entender melhor meus atos falhos.

Talvez eu não sinta essa tristeza que sinto agora por muito tempo. Talvez, depois de um tempo, a saudade tome seu caminho e a esperança do reencontro evapore os últimos resquícios de melancolia.

Mais uma vez, morrer significa o novo sol que nasce, um novo começo para aprender mais, para lapidar o diamante bruto que somos nós.

Entender e aceitar é talvez a parte mais difícil de todo o processo. Tal qual um alcoólatra assumido, nessa hora senti todos os sintomas das doenças que carreguei durante essa vida.

A dificuldade emocional de amar talvez seja a maior delas.

Como foi difícil amar, como foi difícil me deixar ser amada. Já tive consciência disso em carne, mas, deixar a vida cedo assim elimina a oportunidade de, nessa existência, com essas pessoas, trabalhar o amor.

Mas como tudo acontece como tem que ser, talvez minha função nessa vida seja tomar conhecimento disso para trabalhar a partir de agora, afinal, temos toda a eternidade para melhorar o que é preciso. Com certeza vou fazer de tudo para continuar daqui em diante e aperfeiçoar o amar que existe em mim.

Deixo em meu legado a minha filha, meu marido, meus poucos mas verdadeiros amigos, minha cachorrinha, minha mãe e meus irmãos, deixo uma ponta de lembrança que espero poder perpetuar pelas várias existências.

Como uma grande comunidade de irmãos sedentos de amor, precisamos nos aprimorar, amar, respeitar. Precisamos valorizar o que temos de bom e apagar de nossas vidas os defeitos, as maldades, egoísmos e orgulhos.

Somos nada, somos ninguém diante da imensidão do universo, mas ao mesmo tempo, somos o ser mais importante da nossa própria eternidade.

Se não fizermos algo por nós, ninguém será capaz de fazer. Somos responsáveis por nossos atos, responsáveis por nosso tempo dentro da eternidade. Somos donos do bom emprego de nossas capacidades.

Ninguém irá pagar a conta do que comemos. Somos os donos da fome, mas também do esforço que se faz para saciar essa fome.

Obrigada pela oportunidade, meu Pai. Fiz mal uso, fiz bom uso, fiz o que podia dentro dos meus limites. O importante é que estou vendo melhor agora do que quando parti, afinal, é sempre assim que acontece, não é mesmo?


Joyce Baena.












terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Reflexão para 2013

Escutei muito esse ano de algumas pessoas: "Para mim datas como Natal e Ano Novo não tem significado algum. Para mim, as questões que essas datas inspiram devem ser relevantes por todo o ano."

Acho que essas pessoas tem razão, porém, isso merece uma reflexão, pois, será que a humanidade, pelo menos a grande maioria, está preparada para perceber a vida assim? Será que não ficaríamos totalmente perdidos se não tivéssemos datas assim para lembrar de temas como metas, planejamento, solidariedade e caridade? Infelizmente a resposta é sim, pelo menos na minha concepção.

O Natal carrega em si excessos de compras, de comida, bebida, a chatice de ter que rever aquele tio chato do interior ou o irmão que vc brigou o ano inteiro. Mas também acende pensamentos tais como: ser solidário com quem precisa, aprender a perdoar, ter compaixão, abraçar as pessoas, enfim, pensar no outro.

Já o ano novo inspira planejamento, retrospectiva, nos inspira a pensar nas coisas que precisamos melhorar.

A grande questão aqui é que nós devíamos fazer e pensar nessas coisas o ano inteiro. Todos os dias deveriam ser perfeitos para compartilhar, ser solidário, planejar... mas ainda não fazemos isso. Estamos muito longe de fazer desses pensamentos parte do nosso dia-a-dia. Sem generalizar, ainda somos movidos por causas externas, muitos vão deixando a vida levar, confiando na sorte e não se preocupam com o outro. E ter datas assim nos ajuda a pensar nessas questões e, pelo menos, uma vez por ano, nós paramos para pensar em tudo isso. Imagino o que aconteceria se não tivéssemos essas datas...

Fica aqui a minha reflexão e resoluções para 2013: pensar mais nos outros, ser mais solidária, mais paciente, mais misericordiosa com as dificuldades do outro e com as minhas próprias dificuldades. Aprender a perdoar tanto o outro quanto a mim mesma, não ser levada por causas externas e sim decidir mais a minha vida, ser dona dos meus atos e responsável por cada um deles, planificar minha vida, ter metas mais claras e cumpri-las, ser mais próxima da minha família e dos meus amigos e, enfim, aprender todos os dias a ser melhor.

E é isso que desejo a toda a humanidade. Que possamos ser melhores a cada dia. Quem sabe um dia possamos não ter somente algumas datas especiais por ano, mas que todos os nossos dias sejam dias especiais para realizações.

Um 2013 incrível.

Joyce Baena.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Compaixão


Primeiramente, gostaria de agradecer a paciência e a confiança que os nossos amigos espirituais tem tido comigo e agradecer a oportunidade de estar aqui na frente, falando com vocês hoje. É impressionante que todas as vezes que temos um compromisso que está mais ligado ao mundo espiritual e menos as questões materiais, sempre acontecem fatos que nos levam a adiar ou cancelar o compromisso espiritual.

Semana passada passei por uma cirurgia, nada grave, apenas a retirada de uma hérnia umbilical. Operei e quando fui ver na agenda, minha palestra estava marcada para dali a 4 dias. Liguei para a responsável pelas palestras no centro pedindo a ela para colocar outro palestrante em meu lugar, mas dessa vez o plano espiritual fincou o pé e ela me enviou uma mensagem radiante: Olha que bacana, conseguimos mudar a sua palestra para 7 dias depois, trocando com outra palestrante! A questão era que após a cirurgia eu tive a cefaleia pós-raquiana, que para quem não sabe, é uma dor de cabeça insana causada pela agulha que é aplicada na coluna. Essa agulha pode, a cada 100 pacientes, secar a medula espinhal e causar cefaléia. Eu fui premiada! O médico disse: para resolver você tem duas opções, volta no hospital, tira o seu próprio sangue e aplica no buraco da agulha, isso dói muito e pode não dar certo. A outra opção é passar 7 dias deitada, esperando passar, foi o que escolhi.

Já passou, graças a Deus, portanto, pode-se dizer que essa palestra foi escrita na horizontal. Mas estou muito feliz porque o plano espiritual dessa vez foi firme, me chamou e estou aqui, para cumprir a minha missão que é transmitir a vocês a mensagem de hoje.

Compaixão, esse é o tema de hoje. E é engraçado porque esse tema tem tudo haver com determinação e força de vontade. Acredito pelo que andei estudando que a compaixão verdadeira só ocorre quando acompanhada de muito esforço pessoal.

Nas minhas andanças pela internet na busca de textos e histórias interessantes, achei a de um certo juiz que resolveu ser voluntário. A sua primeira experiência como voluntário foi entrar, com um nariz de palhaço, em um hospital e o objetivo era alegrar as crianças da ala de queimaduras.

Um objetivo que ele imaginava ser muito difícil... Ao olhar as crianças o seu coração ficou pequenino, apertado de piedade no início. Mas ele precisava fazer o seu trabalho. Depois de alguns minutos, ele esqueceu da piedade e no meio de risadas, acabou se entregando e esquecendo que eram crianças queimadas. Depois de um tempo, ele deu asas ao palhaço e conseguiu arrancar gargalhadas. Ao sair, feliz e satisfeito por ter cumprido seu objetivo, um garotinho de uns 5 anos, com bandagens e esparadrapos cobrindo todo o seu rosto, puxou a sua calça e pediu para que ele se abaixasse. Ele desceu a orelha e o garoto falou com olhinhos felizes: Tio, não parece mas eu estou rindo! (fonte: Revista Vida Simples, 2007)

Nós homens, em meio ao nosso orgulho, estamos sempre esperando algo em troca daquilo que fazemos. Se você trabalha mais, quer ganhar mais, se ajuda alguém, quer contar com aquela pessoa lá na frente e por aí vai... Na época de Cristo, muitos não acreditavam que Jesus era o salvador, porque aguardavam um guerreiro, forte, viril, que faria justiça montado em seu cavalo, em vestes de ouro e espada reluzente.

Em meio a nossas percepções mergulhadas em questões materiais, aguardamos a salvação e um reconhecimento em grande estilo. Muito dinheiro, louros, fama, poder...mas Jesus e a própria vida nos mostra que Deus age de forma singela, misteriosa as vezes. Se não estivermos atentos, de coração aberto, pode ser que nem consigamos perceber quando Deus nos envia mensagens, quando Deus nos mostra o caminho...

Gostaria de propor um breve retrocesso e análise da vida desse juiz e pedir a vocês que voltem comigo nessa história.

Eu não sei a idade do juiz, mas vamos imaginar que ele tenha por volta de uns 50 anos. Vamos imaginar também que ele é uma pessoa comum, como qualquer um de nós. Depois de uma vida boa, com muitas experiências, com a vida feita, os filhos e netos encaminhados, parecia que a vida carregava um vazio. Então ele pensou, o que posso fazer para preencher esse vazio? Viajar, ficar com os netos, trabalhar já não consegue preencher, então, preciso fazer mais alguma coisa...

Por muitos anos, ele ensaiou algumas ações, tentou aqui, tentou ali, ajudou seus filhos, seus familiares, muitas pessoas que passaram por suas mãos no tribunal, mas algo dentro dele dizia que tinha que fazer mais, que aquilo ainda não era o suficiente.

Um certo dia, esse juiz teve uma crise nervosa e foi parar no hospital. Nada grave, porém, algo aconteceu na saída do hospital. Ele já estava no corredor, prestes a sair pela porta quando viu um movimento estranho, algumas risadas e, chegando mais perto, pode perceber algumas pessoas usando nariz de palhaço. As risadas vinham de crianças que estavam internadas, e riam muito.

Ele provavelmente achou interessante, já tinha visto isso em um filme mas nunca tinha pensado com mais profundidade no assunto.

Pediu um cartão e resolveu pesquisar o assunto pela internet. Pode ser que ele não tenha contado para ninguém o que pretendia fazer e começou, sozinho, a frequentar as aulas de preparo para ser um voluntário.

Tenho uma amiga, a Beth, que frequentou esses treinamentos para voluntariado e disse que é necessário pelo menos um ano de preparo. Você tem que passar por psicólogos, entre outras coisas mais. Tem que estar realmente preparado para enfrentar, com força, o que vai ver quando inicia o trabalho. Não é tão simples assim...

Vamos imaginar que depois de um ano, ele, nervoso, resolveu encarar o primeiro dia com todas as dúvidas e inseguranças que temos ao fazer algo pela primeira vez. E quando envolvemos uma responsabilidade tão nobre como essa, o peso de dar certo é muito maior.

Por mais que você imagine algo que vai fazer, por mais que se prepare, nunca é igual a experiência de se vivenciar a realidade. E no momento que o juiz entrou pela porta daquele quarto, o seu coração começou a palpitar muito ao se deparar com aquelas criaturinhas de Deus, muitas com cicatrizes que ele nunca imaginou ser possível ter em vida. No começo, ele não conseguia pensar em outra coisa, ele pensava no quanto era difícil viver daquele jeito, como devia ser dolorido. Ele só pensava na dor. E pensar na dor nos leva a ter piedade. Porém, se nos apegamos na dor, na piedade, estamos na verdade sofrendo junto com a pessoa. E quando sofremos nós ficamos presos nesse sofrimento. O sofrimento nos reprime, nos deixa pequenos, tristes e não conseguimos agir.

Mas algo se apoderou dele, todo o preparo, o seu objetivo era fazer rir e então, ele levantou a cabeça, colocou o nariz de palhaço e começou o show.

Depois de tudo isso, de toda essa avalanche de sentimentos, ouvir o garotinho de cinco anos, todo embalado em bandagem, dizendo: - tio, não parece, mas estou rindo - não seria o mesmo que ouvir de Deus: Vai meu filho, esse é o caminho?

Talvez, se ele não estivesse ouvindo de verdade, isso não o teria tocado como tocou. Mas eu imagino que essa vozinha pequena abriu, como um cirurgião o coração daquele homem e mudou a sua vida. Tocar de verdade o coração, é isso que a verdadeira compaixão faz conosco. Vem no coração e nos aplaca em nossos sentimentos mais puros.

Joanna de Angelis fala que a compaixão é uma ponte de mão dupla, de um lado vem a aflição e do outro avança o socorro.

A compaixão é o primeiro  passo para se colocar em prática as virtudes morais. Com isso, você abre espaço dentro de si para a paz interior e o bem estar pessoal.

A compaixão nos ajuda a encontrar o equilíbrio psicológico e faz com quem paremos para pensar no problema do outro. Ela nos ajuda a eliminar o orgulho que existe dentro de nós e ainda por cima, diminui o peso dos nossos problemas.

Olha que ótimo: o simples desejo de ajudar o outro já nos proporciona mais alegria no coração e inclusive, ganhamos uma disposição física que muitas vezes nem sabíamos que existia em nós. Quantos depoimentos vemos de pessoas que vão trabalhar em lugares que passaram por calamidades e destruição e dizem passar dias sem dormir sem se cansar. Quando estamos ajudando o outro esquecemos simplesmente do nosso cansaço, das nossas próprias dores, dos nossos próprios problemas.

Quando exercitamos o sentimento de compaixão, o nosso coração se abre para sentimentos mais profundos, de abnegação, de paciência e somente quem a pratica pode sentir.

Jesus nos deixou a máxima: Amai a Deus sobre todas as coisas e uns aos outros como a ti mesmo.

A compaixão é um exercício maravilhoso para praticar essa lei, pois quando você a pratica você aprende a desenvolver o amor por todas as coisas, por todos os filhos de Deus. Você aprende a amar o outro. Mas para amar o outro, como está na lei, é preciso se amar, não é mesmo? Como podemos dar um sentimento ao outro se não temos ele dentro de nós? Se você não está bem consigo é impossível ajudar o outro.

Para falar disso, gostaria de trazer outro exemplo:

Lembram que falei que uma amiga minha, a Beth, realiza trabalhos de voluntariado? Pois é, ela me contou um episódio que nunca me saiu da mente. Certa vez, ela chegou em um certo hospital e havia uma criança, uma menina de uns 9 anos, pelo que me lembro. Segundo lhe fora informado, essa garota tinha uma doença incurável que a obrigava a ficar no hospital durante longos períodos, em meio a picadas de agulha e exames invasivos. Seu humor não costumava ser dos melhores.

A Beth, mesmo assim, encarou o desafio de contar histórias a essa menina.

Ao adentrar o quarto do hospital, a mãe estava de canto, com a cara fechada e a menina, emburrada, deitada na cama. A Beth viu aquela cena, respirou fundo e tentou o primeiro contato mas foi logo repelida. A garota não queria ler, não queria nada, só queria que a deixassem em paz. A mãe ficou irritada com a falta de educação da garota, o que piorou o ambiente a se trabalhar.

Beth, sem saber o que fazer, pegou um papel e uma caneta e começou a desenhar. Saiu, foi ao banheiro e quando voltou, a garota estava riscando o caderno com uma caneta preta, quase dilacerando a folha. Vendo aqui, a Beth pensou rápido, pegou outro papel e começou a fazer o mesmo. Naquele momento, estabeleceu-se uma ligação de competição, uma riscava de um lado, a outro de outro e as duas se viram em guerra. Depois de um tempo, começaram a rir e enfim, quebrou-se a barreira inicial e a garota aceitou brincar, ler histórias e curtir um dia diferente dos outros.

Onde quero chegar? Muitas vezes, achamos que ter compaixão é entregar ao outro aquilo que achamos que a outra pessoa precisa, mas vai além disso. É preciso se envolver de verdade e é por isso que dá tanto trabalho.

Ter compaixão é enxergar o próximo e entender sobre o prisma do outro a necessidade dele. É preciso ter paciência, ouvir, sentir, dar tempo para que se estabeleça uma ligação, entender de verdade como é possível ajudar o outro.

Dar dinheiro para Instituições de caridade, doar bens materiais são atitudes louváveis, mas são fáceis, basta abrir a carteira. O que toca verdadeiramente o coração não está ligado a questões materiais. As vezes a gente precisa de um ombro amigo, de alguém que nos escute, que seja firme conosco, que nos ajude a tomar novas direções e isso demanda tempo e paciência, coisas raras hoje em dia.

Muita gente fala que não tempo para dedicar ao outro, que já tem muitos problemas mas quer melhor campo de batalha que a nossa própria casa para exercitar a compaixão?

Nossa família, nosso ambiente de trabalho são um prato cheio para treinar nossa paciência, nossa perseverança, nossa força de vontade. Nossos filhos, pais, amigos, colegas de trabalho são ótimos ambientes de exercício e perseverança.

A questão é que isso dá trabalho, é preciso envolver-se, para ajudar de verdade é preciso prestar atenção no outro, olhar ao redor e parar de sentir pena de si mesmo.

Muitos dicionários confundem a compaixão com pena. A gente aprende a ter dó das pessoas, quantas vezes escutamos na infância: - Filha, você não tem dó de deixar comida no prato com tanta gente passando fome? Quando temos dó ou pena estamos pensando na verdade que o outro é inferior e que sem a nossa ajuda, provavelmente não conseguirá resolver suas questões. Quer dizer que então que você é superior ao outro?

Se o sentimento de compaixão vem do fundo do coração, na verdade, quando ajudamos temos que envolver quem sofre com um cobertor generoso, solidário. Temos que ver o outro como um igual que está passando uma dificuldade momentânea. Temos que ter consciência que naquele momento a situação é essa mas que em outros momentos, você poderia estar passando por aquilo.

É preciso sempre lembrar que todos estamos sujeitos a passar pela mesma dor que outras pessoas estão passando. Que todos temos momentos difíceis e perceber que o outro precisa da sua ajuda e se você pode ajudar, faça. Compaixão está totalmente ligada a ação.

Aqui no centro, certa vez, ouvi um palestrante contar uma história que nunca me saiu da mente. Ele contou um episódio do cotidiano do Chico Xavier: Certa vez, ele estava caminhando na rua com um amigo e de repente, um bêbado lhes pediu dinheiro. O Chico sacou de algumas moedas e deu ao bêbado. Na mesma hora, seu amigo falou, mas por que você deu dinheiro a ele? Ele vai beber! E o Chico disse: - Se ele precisa disso agora, deixe que beba.

É muito fácil julgar os outros. Nós nunca sabemos exatamente tudo o que se passa com o outro porque isso só seria possível saber realmente se estivéssemos na pele dele, vivendo as experiências dele, não só nessa existência mas em todas as que se passaram. Como espíritas, sabemos que apesar de não lembrarmos de nossas vidas anteriores, temos experiências e muitas vivências guardadas em nós, conduzindo nossa existência.

Nossos sentimentos, nossas dores são só nossas e por mais que reclamemos aos outros, se jogássemos todas as dores agora, aqui na nossa frente, com certeza escolheríamos as nossas próprias de volta.

Muitas pessoas pensam que o outro é feliz, mas quando temos contato real com o outro, a gente percebe que todos temos problemas e, muitas das vezes, você não toleraria e nem intenderia como o outro consegue aguentar certas coisas. E não é o excesso ou a falta de bens materiais que mede o grau de felicidade das pessoas.

Quem aqui não tem amigos com muito dinheiro, poder e mesmo assim, se sentem tristes e vazios? Quantos amigos ricos seus se sentem sós, tristes e desamparados? As coisas que valorizamos na terra são muito diferentes das coisas que valorizamos em espírito. Leiam o evangelho, o Livro dos Espíritos. Quanto mais estudamos, mais descobrimos que nossos valores estão muito deturpados quando estamos na terra.

E quando, por alguns momentos nessa vida damos ouvidos aos nossos corações, abrimos nossa alma, conseguimos ouvir o outro de verdade e compreender suas angustias e realmente ajudar. Quando isso acontece, se apodera de nós um sentimento impressionante, quase impossível de se explicar. Um sentimento de satisfação enorme, de dever cumprido.

Temos que lembrar ainda que tudo o que temos nessa vida é nos emprestado. Sabemos que cada agulha que recebemos nessa vida, mesmo que pareça fruto de nossa luta, é apenas um empréstimo do qual teremos que prestar conta algum dia.

As nossas verdadeiras riquezas são as lições de amor que tiramos daqui. Levaremos em nossa bagagem espiritual o amor das pessoas que conquistamos, o amor daqueles que ajudamos. Como na parábola das sementes jogadas ao longo da estrada, cada semente que jogamos no nosso caminho irá florescer segundo nossas obras. Se jogarmos muitas sementes boas, que lindo será o nosso caminho. Se plantarmos flores diferentes, de tamanhos diferentes, teremos um jardim colorido e diversificado.

Porém, se passarmos a vida inteira sem plantar nenhuma semente, nosso caminho será seco e sem vida, triste, sem amigos, sem ninguém que nos ame, sem ninguém para amar.

Se ainda não soubermos amar, não tem problema. Sempre há tempo. Como eu disse no início dessa palestra, a compaixão é fruto de exercício, de força de vontade. Da mesma maneira que nos esforçamos num trabalho novo com vistas a ganhar mais dinheiro, devemos nos esforçar a amar com vistas a ganhar mais amor.

Comecem a amar se amando. Cuidem do seu espírito, estudem, cuidem do seu templo, do seu corpo. Comam bem, pratiquem exercícios, gostem do que olham na frente do espelho. Façam bem o seu trabalho, sintam-se satisfeitos com os resultados de suas lutas. É preciso estar bem para ajudar o outro.

Para cuidar bem da alma, pratique o amor. Doe um pouco do seu tempo para ouvir sua família, ligue para seus amigos somente para perguntar se está tudo bem. Você muitas vezes nem precisa dizer nada, apenas ouça. Dedique um tempo do seu mês para fazer caridade, veja algo que você gosta de fazer. Ler? Escrever? Desenhar? Cuidar de animais? Algo que de repente você deixou de fazer mas gostaria de voltar um dia. Faça isso gratuitamente para os outros. Quando você já gosta é mais fácil porque você se dedica e aprende mais. Leia para idosos, para crianças. Participe de organizações que tiram animais da rua. Desenhe para os outros. Se você consegue juntar algo que ama com a compaixão, você pode descobrir um universo completamente novo de amor, paz, tranquilidade para seu coração.

Agradeço a Deus e a vocês. Estar aqui hoje, partilhando essa mensagem é para mim um bálsamo. Todas as vezes que estudo e falo com vocês, eu sinto o garotinho falando pra mim que está rindo. Eu sinto que o caminho certo é fazermos o que gostamos e dar isso ao outro. Adoro falar em público, ensinar, dar aulas e fazer isso aqui, com um conteúdo tão importante é realmente uma escola pra minha vida. A grande verdade é que, quando a gente pratica a compaixão, na verdade, quem mais recebe somos nós mesmos.

Desejo a todos muita força de vontade, muita luz e que possamos deixar a compaixão invadir as nossas vidas.

Fiquem com o Pai e muito obrigada.

Joyce Baena.
Palestra ministrada em 9 de agosto de 2012.