Caminhada

Sapatos na nuca
Saia amarrada
Embaraço de fios
passos marcados

Areia nos olhos
Pouca visão
Areia dos dedos
Roçando no chão

Cabelos ao vento
Cabeça no ar
Olhar esquecido
De tanto calar

Longa caminhada
Na areia molhada
Gotas da jornada
Na saia enrugada.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Tributo aos meus amigos

Os amigos são amores, mas também o são horrores.
Dão barriga, cerveja e rugas, dão risadas, lágrimas e tristezas.

Os amigos nos dão momentos inesquecíveis e nos levam pedaços inteiros.
São como facas que cortam em partes o coração, a cada partida, a cada surpresa, a cada caixão.

Amigos são como nuvens, suaves, aconchegantes, confortáveis e confiantes.

Amigos são como gelo, reais, terríveis, mas qualquer calor os derrete.

Amigos tem sempre um, por perto, por longe, sem eles não há vida, não tem porque, nem onde, nem de onde.

Amigos são como troncos que nos ajudam a respirar no rio da vida. Jogados à correnteza, nos dão o suspiro necessário para continuar.

Amigos são como fogo, nos acalentam na madrugada mais fria, cozinham os nossos problemas e nos dão de comer a esperança.

Amigos, que bom é ter-los. Tão lindos a vida inteira. Tão bom fechar os olhos e ver os cílios, as unhas, os dentes a sorrir, a abraçar, a ouvir e a cantar.

Amigos são como amigos, não tem explicação. Te expelem, te esperam, mas nunca te deixam, estão sempre no coração.

Aos meus amigos, que amigos são, como todos os amigos dos amigos dos meus amigos.

De dia, à noite.

Nasceu! Que fofa, a cara do pai!
À noite chora, mama, faz pipi, cocô.
De dia chora, mama, faz pipi, cocô.
Primeiro diz mamá. Depois diz mamã.

À noite chora, mama, vira na cama.
De dia chora, mama, veste a roupa, dá papinha, vomita.
Primeiro dá um passo, depois com outro pé.

À noite dorme, sonha e corre pra cama da mãe.
De dia escola, sopa, cotonete e band-aid.
Primeiro aprende a gostar de história. Depois aprende um palavrão.

À noite dorme, tosse e tira a coberta.
De dia corre, grita e faz careta.
Primeiro ama o papai, depois odeia a mamãe.

À noite leva bronca, dorme e abre o bocão.
De dia fuma, namora e faz tatuagem.
Primeiro apanha do pai, depois corre pra mãe.

De dia estuda, trabalha e dorme um montão.
De noite balada, cerveja e um baita sermão.
Primeiro responde pro pai, depois conta pra mãe.

De dia enxoval, casa nova e um barrigão.
À noite chora, mama, faz pipi, faz cocô e de novo:
Quem salva é a mãe.

Coração de mãe

Eles vão chegar a qualquer momento. A lágrima de desespero rolou sobre a pele suave, esperando adoçar a saliva já amarga pelo medo. Era a primeira vez que as crianças viajavam sozinhas, dois dias, sem conhecer ninguém.

Pensava neles a cada minuto, os segundos viravam horas, os noticiários explodiam acidentes na estrada. O pânico tomou conta da situação.

Dois dias, quarenta e oito horas aguardando a pior notícia. Será que eles vão descer na rodoviária errada? Será que comeram, tomaram banho, choraram a minha falta? Será que uma criança de 11 anos sabe como cuidar de outras duas de 9 e 7?

Mas era preciso confiar. Foi pela mãe que os filhos resolveram abandonar o conforto, a escola e os amigos. Foi por esperança que a mãe abandonou a família, os filhos e sua terra natal. Tudo valeria a pena? Talvez. Era preciso acreditar. E acreditar também que eles iam chegar, certinho como a mamãe explicou.

O ônibus já atrasado há duas horas mostra o pára-choque na entrada da Rodoviária. O vidro espelhado não deixa ver o que tem dentro. Pára na portaria, passam-se dois, três, cinco minutos intermináveis até que o fiscal libere os passageiros.

A mulher de vermelho desce com as malas e o travesseiro. A ansiedade aumenta, será que eles estão nesse aí? As lágrimas atrapalham, e de lenço, só a palma da mão.

Um homem com o filho, a esposa gorda de vestido de bolas rosas vem logo atrás. Um senhor idoso desce a escada bem devagar e volta, esqueceu sua frasqueira.

A mãe, já em pânico, rodeia o ônibus em busca de uma luz para seu desespero. Seus filhos, onde estão?

Até que as lágrimas cessam e quase num salto, ela leva um susto. Lá vem os três, descendo as escadas e com o coração da mãe nas mãos.

Dedico esse conto à Margarete, minha querida mãe e ídola.

domingo, 25 de outubro de 2009

Vida promocional

Ulisses entrou porta adentro com cara de desespero. A noite havia sido um tanto conturbada. A nova namorada havia virado sua cabeça de vez. Uli se viu apontado por pensamentos sublimes de enlaces matrimoniais, filhos e uma bela casa e isso, definitivamente, não fazia parte de seus ideais de juventude. A posição nova lhe atacava o espírito de maneira confusa e arrebatadora.

Além disso, a nova posição obrigava uma retomada melhor em sua carreira, um novo salário, mais alto, angariar mesmo uma promoção. Seu salário de estagiário mal dava para o cinema de quarta, quanto menos para o sustento de uma família. Era algo a se pensar...

Os encontros foram reforçados pela vontade alienada de copular. Beijos, abraços, grandes passadas e nada de acontecer o drible final. A menina era meiga e pura, e guardava a grande tacada para as núpcias, sem dar abertura de furar o sinal.

Ulisses, pertubado, suado, cansado de insistir na acolhida viu como única alternativa consentir com o veredito e chamou todos à reunião famíliar. Enlaçados, os noivos bindaram a nova aliança e se fez algazarra geral. Uma festa foi marcada para o próximo maio, mês influente no calendário do ano e, com tudo perfeito, foi consumada as núpcias em um honesto lugar do Guarujá.

Ao voltar, Ulisses já satisfeito e feliz, voltou ao trabalho e conseguiu a tão sonhada promoção, graças ao seu esforço e sua nova posição social, de homem honesto, casado e futuro pai do primeiro filho.

E a primeira promoção se fez discreta e trouxe consigo uma casa modesta, roupas novas e uma mulher satisfeita e cheia de carinhos.

E a segunda promoção se fez modesta e trouxe consigo um carro, uma filha prendada e uma mulher gorduchinha e cheia de mimos.

E a terceira promoção se fez dispersa e trouxe consigo um carro para a esposa, a primeira viagem a negócios para NY no dia do nascimento do segundo filho, fins de semana no clube jogando tênis, uma nova casa, uma escola melhor para a filha, duas babás, uma esposa garbosa, cheia de unhas, massagens e cabeleireiros, com roupas de grife e cremes de estética.

E a quarta promoção se fez completa e trouxe consigo um carro importado, um Armani engomado, um contador picareta, uma viagem a Paris com a nova secretária gostosa, uma moto para a filha, uma viagem holandesa para o filho, uma esposa ciumenta, um carro batido, algumas doses de uísque, uns bons maços de cigarro, uma amante picante e um escritório com heliponto no alto do edifício.

E a quinta promoção se fez explosiva e trouxe consigo um rombo na conta, uma mulher neurótica, um filho drogado, uma filha grávida, um pedido de divórcio, outras doses e doses e doses de uísque, uns joguinhos com os amigos e uma internação no Albert Eistein com taquircadia crônica e uma suspeita de cancêr no pulmão.

E Ulisses, enfim, após quatro meses num quarto de hospital, começou a perder as promoções. E a falta de promoção trouxe consigo contas pendentes, a hipoteca da casa, a venda do carro importado, do helicóptero, o trabalho novo da filha, o esforço do filho, os carinhos e mimos da esposa traída, o retorno à casa modesta, às contas impressas, aos fins de semana de pizza, ao ônibus, à labuta do dia-a-dia e aos abraços e orações em família.

Mas o mais importante que Ulisses ganhou com a sua falta de promoção foi a certeza de que, como num coito interrompido, tudo às vezes é nada e nada, às vezes é tudo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Lia Luft

Recebi esse texto hoje por e-mail e achei realmente interessante dividir o pensamento dessa grande mulher:

"Mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher. Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.

Foi um momento inesquecível... A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.

Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?'

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo. Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.

Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se "mudança". De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.

A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.

Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.

Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.

Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional.

Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.

Olhe-se no espelho...

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Oração à Beth & Duca

Ó Senhor meu Pai, confio em ti, confio na tua decisão de trazer alegrias e de trazer tristezas. Confio na providência que sempre nos mostra que, mesmo a maior dor do mundo é um bálsamo em nossa evolução. Que a dor da morte nos ajuda a perceber que tudo a ti pertence, que somos meros filhos que, ainda imperfeitos, não entendemos a plenitude dos teus ensinamentos.

Senhor, peço a ti, nessa hora de dor, muita luz para clarear as trevas de nossos corações, peço alívio as nossas aflições e as faltas insubstituíveis; calma a esse coração de mãe dilacerado e feito em pedaços pela saudade, pelo pensamento de injustiça que não se entende e que não se aceita.

Pai celestial, em tua misericórdia, cuida deste coração, cuida desta mãe amada que sofre e chora o coração perdido. Que em sua dor, essa mãe encontre o consolo, o carinho da mão amiga do nosso Mestre e Irmão maior, Jesus Cristo. Que essa filha siga em paz, acompanhada pelas labaredas celestes, guiada com glórias e aleluias. Que essa mãe seja acariciada por tua face consoladora com o sono dos justos e tenha forças suficientes para vencer essa prova tão difícil.

Pai, só Tu és tão mavioso e tem o poder de consolar. Conduz-nos pelo bom caminho, nos faça aprender a sermos homens de bem para que na hora derradeira, tenhamos as glórias dos céus nos aguardando de portas abertas.

Obrigada Pai, por essa presença, por essa alegria, por essas lágrimas, pois indicam a saudade que somente os que podem amar conseguem sentir.

Obrigada pela presença dessa ilustre irmãzinha entre nossa família. Que ela possa seguir em paz, em harmonia na continuação de sua existência espiritual. Que possamos segurar a saudade e, na esperança de dias melhores, possamos aprender com mais essa experiência que a vida nos coloca.

Aos que ficam, a saudade clama mas o amor também. Que possamos aprender a lidar com esse amor da maneira mais sublime.

Beth e Duca, fiquem com Deus.

sábado, 17 de outubro de 2009

Mudar

Estou tão triste hoje, pensando em como às vezes a vida segue rumos que não podemos controlar, por mais que tentemos. E o pior de tudo é de repente você percebe que o mundo ao redor não muda e sim, somente você. E mesmo você mudando, isso nao basta, porque as pessoas ao redor ainda não perceberam que também precisam mudar e segue-se um ciclo triste de desentendimento, porque se você muda, há, em consequência, um distanciamento das relações que você levava antes, porque essa relação era baseada em pensamentos antigos, que já não permeiam sua cabeça. Mas se você ama, esse distanciamento faz sofrer, faz chorar, mas é inevitável.

Uma vez certa amiga me disse que no caminho da vida, você encontra amigos em vários momentos, mas esses amigos só se mantém por um tempo na mesma velocidade que você, porque em certo momento, a sua passada se torna mais rápida e você vai embora e ele não consegue te acompanhar. Em outros momentos, a sua passada não consegue acompanhar a agilidade do outro e é sua vez de ficar pra trás.

O que acontece quando a gente muda é muito parecido com isso...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A vida de um cão



De um lado e de um outro seu rabo situa
o vento balança e mostra a rua.

A lingua molhada balança e voa,
mostrando que há vida na vida à toa.

Prum cão, um parque é tudo de bom
tem sol, tem grama, tem terra sem som
de carro, de grito, busina ou moto
só pássaro, grilo, corrida e mato.

A vida de um cão não tem preocupação
acorda, dorme, come e late de montão.

domingo, 4 de outubro de 2009

O reflexo

Eram seis da manhã e a rua já estava cheia de passos. Uns subindo, outros descendo. Os ombros se encostando em um leve afastar.

Entre os passos da esquerda, podia-se ver a sombra de uma pedra sendo ferida amargamente por um pedaço de ferro, que num constante, martelava a imagem que se espelhava nos olhos de All, um homem pequeno, mas forte. De suas juntas brotavam coágulos rubros, sua vista cumpria o exercício diário de se fechar a cada martelada, a cada pontada que a pedra insistia em causar em sua dor. Mas a vontade de ver o reflexo completo era intensa, tão intensa quanto a força que fazia para manter as pernas por tanto tempo encurvadas, sustentando seus 75 quilos.

O sol se pôs às 18:30h. Como de costume, All levantou devagar, quase sem respirar, para tomar seu café frio, ali deixado por seu filho, há 3 horas passadas. Já fazia uma semana e ainda tinha muito por terminar, mas só All sabia a sensação de olhar para o reflexo pronto.

E assim se foram os 45 dias. Com todas as honras, o prefeito foi em festa, dar boas-vindas àquela nova criatura que nasceu na praça XII. All ficou ali, logo atrás da multidão, fazendo vivas ao criador daquela obra. Seus aplausos eram suaves, enrolados em faixas limpas e brancas, que escondiam os anos de trabalho numa artrite já avançada.

Dadas honras aos prefeitos, arquitetos e vereadores, os passos acompanhavam com pressa os afazeres do dia. Os olhos passavam por aquele homem baixo, de olhar brilhante, como se fosse invisível. Apenas uma garotinha notou a lágrima de felicidade que rolou naquela pele enrugada, mas seus superiores já trataram de fazê-la não notar mais, chamando sua atenção.

E todo mundo passou e até falou: Saia da frente! Mas All só ria e se emocionava, com o reflexo de seus olhos e enchia de ar os pulmões. Ainda deu a última olhada saudosa, porém satisfeita e foi em direção a sua casa, aquela na qual passaria seus anos restantes.

Nesse exato momento, a garotinha vai com seus passos pela praça e pára um breve momento diante do reflexo de seus olhos, o mesmo reflexo que All teve há 20 anos atrás. Não se lembra daquela lágrima mas sente o ar se mover nos pulmões.

O medo

A força do medo
É capaz de transformar
A inocência em violência
A pureza em assassínio

Pelo medo o amor vira ódio
Quem ama enfrenta
Não sei se perde o medo
Ou se o medo de perder é maior que o próprio medo.

Beleza tão bela

Beleza tão bela
Que existe na flor
No gosto, no cheiro,
Olhar, beija-flor

No som das estrelas
Na água do mar
Na areia deserta
Na folha, no ar

Beleza tão bela
Que existe na cor
Que envolve, enlouquece
E causa torpor

Se alguém te falar
Do escuro do amor
Beleza tão bela
Também traz a dor.

Ontem e hoje

Ontem pedi pra você me entreter
Hoje peço pra me esquecer

Ontem pedi pro mundo me ter
Hoje peço pra me corromper

Ontem e hoje são diferentes
Passado e futuro
Presente de Deus
Passado e futuro
Presente de nós

Ontem pensei
Hoje acordei

Ontem e hoje
Contradição
Ontem e hoje
Sem direção

Ontem
Lutei
Hoje
Fartei

Pra que ontem
Se existe hoje?

Sem

Às vezes se abate
A tristeza
Às vezes a tristeza
se abate

A chuva não molha
O sol não queima
A lua não clareia

Andando na rua
Chinelos quebrados
Rostos retorcidos
Olhos nas lágrimas

Ver sem ver
Sentir sem sentir
Pensar sem ser

Cem problemas
Sem problemas

Dia

Abre os olhos
Pra acordar
Sol bem alto
Pra esquentar

Abre os braços
Mais espaço
Ar no encalço
Inspirar

A coluna
Esticar
As abelhas
Despertar

Já é dia
Sussurrar
Todo dia
Pra lidar.

Crianças

Inocentes
Perspicazes
Psicológicas e influentes

Puras de coração
Repletas de emoção
Esbanjam adrenalina
São como furacão

Hoje querem o mundo
Amanhã todo o espaço
Mas só ocupam 1 metro
E menos de meio agachado

Quisera eu entendê-las
Tão vivas que até dói
Principalmente os ouvidos

Só entende quem é criança
E que sonha em deixar de ser
Pra virar anti-criança
E deixar de viver.

Amanhã de ontem

Quisera eu soletrar
As pontas da tinta que escorre
Da vida que há de vir

Das músicas que quero ouvir
Das letras que não escrevi
Dos livros que ainda não li
E da fonte que não bebi.

Bis

Os olhos
Que trocam meus olhos
São doces de Ter

A troca de olhos
Suor, calcanhares
Que beiram
Tropeiam
Cheios de anseios

Olhos marcados
Cheios
De imagens
Desejos

Olhos que trocam
Sonhos
Lampejos
A vida em pêlo

Olhos
Teus olhos
Que deixam rastreio
De fogo e luz
De sombra e bis.

Grande

Escrevo pra ti
Pra não explodir
Escrevo porque
Preciso dizer
Do meu coração
Preciso ferir
Pro sangue sair

Escrevo agora
Tão grande a hora
Em cima de mim
Tão grande o momento
A hora do alento
Pequeno sorriso
Na hora do apito

Escrevo pra ti
Só pra te dizer
Que és grande
Tão grande
Que nem sei dizer
Só sei conduzir
Pra algum lugar
Se é que sei.

Sou

Vai dizer que sou eu

O sussurro do vento
A brisa da noite
A gota da chuva

Vai dizer que sou

A alma ardente
O coração pulsante
A mão gelada
A boca congelada

Vai dizer que
Não mais sou eu
Que pede à noite

Não mais sou
Só desalento

Não mais
Solidão

Não sem você.

Momento

Momento da vida
que diz amo
Momento este
Tão incerto
Momento correto
Momento incorreto
Momento do eu
Ou de mim
Ou de tu
Ou de nós

Momento incerto
De dizer porquê
Momento esperto
De dizer de quê
é feito o porquê

Momento
De amos e danos
De dores
De amores

Momento de saber
Momento esperado
Momento desesperado
Momento
de incerto, correto e esperto.

De 6 em 6

Tenho certeza
tenho razões
tem um buraco
já não tenho rédeas
mas não vou deixar
O Pai há de me dar

Ó vida
Quem te diz bela
não sabe
Se bela
Imbela também

Quem diz que diz
Dos pássaros
Tem toda a razão
De 6 em 6
caem
de 6 em 6
alçam vôo
Vai entender a lógica
De 6 em 6
Muda-se tudo

Já não tenho crença
Nem pai
Já não tenho sempre
Nem tive
Só tenho por quê
Quando
E como.

Dor

Às vezes o coração parece que vai desaparecer
Tão apertado que fica
E parece que quando se chora alivia
Mas depois começa a doer de novo
É uma dor lacinante, daquela que não existe remédio
Não existe cura
Só o tempo
O tempo tampa a ferida
Queima aos poucos e transforma em cicatriz

Agora é esperar
Até cicatrizar
E sonhar
Com o dia que tudo isso vai acabar
Até sumir
Pro meu coração parar de sangrar.

Saudade

Saudade do Mestre Ambrósio
Do Tom Zé
Do Rappa
Do Açaí da rua difícil de achar
Da rua pra atravessar
Do banco pra ir
Do Chá e do Caffé
Saudade do filme não assistido
Do lençol mal dormido
Da cama desfeita
Da toalha molhada
Do cheiro, da boca suada
Saudade da Elis
Do Chico
Do banheiro apertado
De toda alegria e tristeza
De todo sistema amuado
Saudade do aperto
Da força do peito
Da voz, da janela
Da porta entreaberta
Do banheiro fechado
Saudade do almoço
E da pizza de Sexta
que dói no peito.
E molha a vista.

Pinturas na pele

Energia tua
Me empurra
Entorna a pele
Faz pinturas

Energia tua
Preenche os espaços
De um mundo descalço
De um tempo varrido

Energia tua
Só tua
Que suga
E empurra
E espanta o ar
Dos pulmões

Energia tua
Que faz pensar
Na hora
Em agora
No ponto que flui.

O normal

Sentidos
Leve sede de anormal
correr
gritar
chorar
Depravar

Sede de amigos
Que outrora anormais
Se escondem em casacos
E óculos normais

Coisas do sistema
Da babaquice
Que impõe o normal
Do que é anormal

Ser feliz é o lema
Boca aberta todo dia
Fragmentos de um bom dia
Extinto o irracional
Tudo normal
Dentro do anormal

Gangorra do mar

Vai e vem
Vem e vai
Solta espuma
Grita
Chora
Ri
Gargalha
Lacrimeja quando vem
Esvazia quando vai

Sobram conchas
Galhos
Lembranças
Mas logo
De novo vem
Cobre tudo
Transborda
Arrepia
E logo se vai

Torna dia
Torna noite
Vai e vem
Vem e vai

Ela ou Eu?

Ela olhou para e viu com os dois olhos aquele que já não via há muito. Aquela sombra que a luz da lamparina vermelha desenhava no ladrilho azul, aquele sorriso que fazia seu corpo gemer. E dentro de sua volúpia, relembrou o muito esquecido nos sonhos, dentro da mais profunda vontade.

Ela olhou de novo e como uma miragem, a sombra se fez matéria e no seu coração, deslumbrou a alegria e toda felicidade que existe nos pequenos e brilhantes momentos de chegada, depois de uma longa espera.

Ela olhou por força e sem acreditar, que tudo o que não pudera alcançar em seus pensamentos era verdade, e era realidade, e reclamava dentro, a incomodar.
E nos passos que faltavam morava a eternidade.

Ela andou o eterno e por fim, chegou ao lugar que já tardou chegar e abraçou com garra o sonho e a amarra que prendia e arfava dentro do peito, a tremular. E enfim amou, como nunca antes amou, seu sonho, sua luz. Sua mais pura fantasia era a mais pura realidade.

Se um dia eu pudesse entender o que penso, talvez eu pudesse ser mais feliz.Talvez eu pudesse mostrar aos outros e a mim mesma a vastidão de amor que tenho a dar ao mundo, a todos os que me cercam. Mas não sei... algo dentro de mim é mais forte, me trava, me entorpece, me faz fugir da realidade.

De manhã eu sou luz, sorrio feliz, falo, cantarolo e deixo transparecer a felicidade imensa de ser abençoada por Deus. Mas à tarde já não sou eu, ou talvez essa seja eu. Entristeço, já sem lágrimas. Um aperto toma conta do meu peito, esvaindo minhas forças.

À noite, ando sem rumo, não penso. Parece que nada importa, nem as palavras, nem os sorrisos, nem a tristeza e nem a alegria. E tudo é igual, tudo não importa, tudo é passageiro.Por isso, acho e deixo de achar. Paro de sonhar, paro de falar, paro para pensar em nada, absolutamente nada.E há quem não entenda... Mas de noite não importa mesmo... A noite para mim foi feita para dormir ou para embriagar, mas como não bebo, fico com os lençóis e com o travesseiro.

Ela não dorme, não come, não bebe, mas sonha com a cama, a comida, a bebida e a filha.

Ela não fala, não chora, não expressa o que gosta, mas clama, mas berra e aperta o que gosta.

Ela não entende, não sabe, não quer entender que ela quer viver, quer sonhar, quer beber da fonte que está ali, logo ali, na frente da frente da frente da fronte.

Um dia e o mar...

Olha a praia, que bonita. Com areia em todo lugar.
Mas tanta água me dá sede e não dá nem pra beber, porque tem sal, você acredita?
Toda essa água cheia de sal.
A minha mãe não deixa eu ir lá, na água. E eu também nem queria, porque tenho medo, é muito fundo e a onda é imensa, deve dar umas 20 criancinhas, uma em cima da outra! Até mais, umas 50.
Outro dia eu fui na praia e tinha uma baleia gigante no meio da areia, e tinha um monte de gente adulta em volta dela. Imagina! Eu fiquei com muita vontade de ver ela bem de pertinho. A minha mãe me falou que ela tinha morrido porque ficou presa na areia. Aí eu fiquei pensando se areia é perigoso, mas acho que só para os peixes, porque eles não sabem respirar fora da água e eu não sei respirar dentro da água. Será que as outras pessoas sabem? Até que seria legal!
Lá em casa tem o Kim, o meu cachorro. Ele tem um rabo gigante, que bate na minha cabeça quando ele passa. Quando eu chego da escola, ele fica latindo, mas eu não tenho medo porque sei que é de alegria. E ele fica mais alegre ainda quando eu levo ele para passear na rua, mas aí, ele quer fazer cocô e eu tenho que ajudar o meu pai a pegar o cocô e colocar no saquinho. É nojento.
O Kim nunca viu um peixe, mas acho que ele nem liga. Ele detesta água. Pra tomar banho tem que segurar ele bem forte, porque ele sai correndo, todo cheio de sabão e se joga na grama, e fica todo melado. Aí tem que brigar com ele, senão ele fica teimoso. Mas o que ele gosta mesmo, é quando vou na feira com a vovó e trago um osso bem grande, maior que ele. E ele morde e lambe e gruda no osso um monte de tempo e não dá nem pra chegar perto, porque ele fica bravo. Acho que ele pensa que a gente vai tirar o osso dele. Teve um dia que eu dei uma lambida no osso para ver se era bom, mas não tinha gosto. Não sei porque ele gosta tanto. Eu gosto de batata frita, é mais gostoso, e também da carninha verde que a minha vó faz, e que minha mãe chama de couve. Na verdade, eu gosto de comer salsicha e tomar suco de groselha. É muito bom, você já experimentou?
Eu adoro a minha mãe, o meu pai, a minha vovó, o meu vovô e também os tios e as tias, que são um montão. Todo dia eu conheço um novo. São tantos que nem lembro. Na verdade, eu adoro todo mundo.
Mas o que eu adoro mesmo é ver o meu príncipe e virar uma princesa, que nem na história. E voar em cima do mar no cavalo de água e pular em cima das baleias. E então, fico só olhando a areia e o mar, e fico querendo ir lá. Um dia eu vou, dentro do grande mar.
Um dia, quando a minha mãe deixar.

Saia já da minha vida

Saia já da minha vida, não agüento mais essa agonia que me irrita, me intriga e comove quem me vê!
Será que já não bastam todos os anos de tortura, quando a saia da Benedita na minha cara investia, todo dia sem cessar? E Dolores, quem diria? Agora mãe de família, outro dia a se gabar: Filhos? Marido? Nem pensar!
Vou agora, mudo tudo, do sapato ao sobretudo. Mas a meia furada insiste em molestar. Puxa a unha, faz-se encrave, tudo isso pra irritar!
Chega! Não quero mais! Nem viver nessa surdina, nem trabalho vai chegar. Solto logo essas presilhas, que me prendem ao meu dia. Vou pra guerra, solto o verbo e vão logo me matar!
Morro então sem respirar, nem lembrado vou ficar.
Lua passa sem notar, nem meu túmulo iluminar.
Essa vida, passageira. Nesse trem não vou ficar.
Saio já da minha sina! Tira a saia, Benedita! Que eu quero me esbaldar!