Caminhada

Sapatos na nuca
Saia amarrada
Embaraço de fios
passos marcados

Areia nos olhos
Pouca visão
Areia dos dedos
Roçando no chão

Cabelos ao vento
Cabeça no ar
Olhar esquecido
De tanto calar

Longa caminhada
Na areia molhada
Gotas da jornada
Na saia enrugada.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Pitágoras for dummies

Esse texto foi escrito por um amigo do Instituto de Estudos Espírita que frequentamos. Achei interessante dividir, afinal, é uma história que deveria mexer com todos nós.

Pitágoras for dummies

Ora vejam só, quem diria. Pitágoras, aquele dos catetos e hipotenusas e triângulos retângulos talvez nunca tenha existido. Calma, o teorema continua valendo, ninguém te enganou. E outras coisas pitagóricas estão vivinhas por aí onde você menos espera. Por exemplo: a noção de que a natureza, o mundo, a música, tudo seria explicável por números.

Tá bom, isso parece óbvio agora, mas há 2500 anos a idéia era, convenhamos, bem original, tão original que acabou impactando Platão, Euclides, e mais umas dezenas de gênios adiante.

Um exemplo cotidiano: os livros na minha estante são uma indicação clara de que vou viver 300 anos. E como sigo comprando sem parar, logo-logo vou precisar de uns cinco séculos pra dar conta.Eu não vou viver 500 anos??? Jura? Xi, por que eu compro tanto livro, então?Digamos, então, que minha hipótese highlander esteja errada e juntemos a isso outra hipótese que muito me agrada (e que pode ser do teu gosto, o que eu muito respeito), que também é de naturezanumérica: só se vive uma vez. Ou nenhuma vez, como parece ter acontecido com o Pitágoras.(Isso é uma hipótese de trabalho, não um ataque à credos religiosos, ok?

Aliás... a própria noção de uma alma imortal é pitagórica também, de 500 anos antes de Cristo) Se eu só vivo uma vez e por um tempo relativamente limitado, então é melhor repensar alguns dos meus hábitos. E sobretudo as manias. E sobretudo agora, que metade do meu tempo já se foi. Eu passei um bom tempo da minha vida estudando algo que não me entusiasmava muito, mas me consolava sabendo que no fundo eu tinha mil talentos. Fiquei nesse jogo tolo por anos e anos até que me caiu aficha: quem disse que eu tenho talentos? E que talentos são esses? Do que eu sou realmente capaz? Qual meu estilo, meu jeito, minha singularidade, minha pegada? Vou ficar a vida inteira sem saber? Well, não fiquei.

Abri mão daquela carreira (modo elegante de dizer que abandonei a faculdade e comecei outra) e resolvi dar a cara pra bater. Resolvi tirar a limpo essa lenda íntima de que no fundo eu era único. Claro que não foi fácil. Claro que não foi gostoso. Se não fossem outros gregos e romanos pra me inspirar (Heráclito, Epicuro, Lucrécio, sofistas, etc) e mais uns bons amigos meio doidos e livros e filmes e poetas e músicos e pintores eu talvez adiasse isso por mais uns 500 anos. Ou deixasse pra outras vidas.

Mas, como já mencionei, prefiro pensar como outro grego, o Ulisses. Se você não leu Homero tudo bem, eu resumo: Ulisses está tentando voltar pra casa antes que algum aventureiro lance mão... da Penélope. O caminho de volta é cheio de percalços (uma odisséia, por assimdizer) e ele acaba caindo numa ilha paradisíaca onde morava uma deusa (nos dois sentidos). A moçoila olímpica se apaixona pelo herói e, well, seguem-se dias e dias de amor di-vi-no (literalmente). Cada vez mais apaixonada, a deusa dá uma cartada : fique comigo e te faço imortal.O que você diria? Pense bem: ilha grega + amor + sexo + juventude eterna. Parece paraíso, não?Pro Ulisses não. Pro Ulisses essa história de imortalidade é coisa para os fracos. Aventura mesmo, emoção mesmo, coragem pra valer é ser mortal. Nobre e heróico mesmo, mais do que ganhar batalhas, é voltar pra casa e assumir o seu papel no mundo. E a deusa ficou a ver navios, morrendo de saudade pro resto da vida (o que, no caso de um imortal, é bem ruim).

Pois bem: eu resolvi largar a mão de jogar tempo fora e descobrir o que eu tenho de singular, de único, aquilo que só eu sou capaz de fazer. Vinte anos depois posso dizer uma coisa boa e outra meia-boca:- já sei do que sou capaz- já sei do que não sou capaz (e a lista é vasta, o que é bom pra não passar a vida inteira tentando ser o que não sou) Por que esse papo “existencial”, agora? Pra contar das minhas escolhas de vida?Não. Minha intenção aqui é provocar você e tirar – quem sabe – alguém da zona de conforto. Conforto é coisa pra gato gordo no sofá, não pra essa nossa espécie que se reinventa a cada cinco minutos.

E o que me motivou a provocar você? Algo que vi na internet? Não, não, foi uma conversa ao vivo e a cores com um cara que eu não conhecia. O rapaz é ilustrador e diretor de arte numa agência. A história dele é bem legal. Nem me lembro de onde ele é, só sei que é longe, e desde moleque ele gostava de desenhar, gostava tanto que se inscreveu num curso por correspondência (sim, isso foi pré-web). Lá no fim do mundo não havia mercado pra artistas, então começou como assistente numa empresa. Como o menino se interessava muito pelo trabalho dos projetistas (na época era prancheta e nanquim), deixaram que ele fizesse a parte chata: escrever com o normógrafo (outra relíquia). Em suma: devagarinho e com empenho ele foi investindo naquilo que era seu talento nato. E hoje é um ilustrador e vive bem disso. Ele poderia ter se conformado. Poderia ter pensado pequeno. Poderia ter posto a segurança em primeiro lugar. Poderia ter ficado sonhando com um talento imaginário por medo de se frustrar. Tenho certeza de que muitos garotos lá na Zona Longe devem ter seguido esse outro caminho, o caminho que não sai do lugar. Tenho certeza de que esses garotos poderiam dar mil desculpas e causas pra não ter se arriscado.

Mas um amigão já me disse: se você pode escolher entre dois caminhos é porque nenhum deles te interessa. Aquilo que é vital pra você não tem escolha.

Bom amigo esse, amigo que apostou no seu talento único pra filosofia e pensamento e tem hoje a Escola Nômade(www.escolanomade.org.br). Hoje eu entendo porque Pitágoras e outros caras querem acreditar que a vida é matemática: é vontade de crer que a vida caiba em fórmulas, medo dessa liberdade além da conta.Provoquei você? Tomara que sim.

http://blogs.msdn.com/renedepaula

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