Caminhada

Sapatos na nuca
Saia amarrada
Embaraço de fios
passos marcados

Areia nos olhos
Pouca visão
Areia dos dedos
Roçando no chão

Cabelos ao vento
Cabeça no ar
Olhar esquecido
De tanto calar

Longa caminhada
Na areia molhada
Gotas da jornada
Na saia enrugada.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Balaio

Não é todo dia que se faz 6 anos e nessa idade, festa é uma coisa primordial tanto para a criança, e principalmente para os pais.

Dessa vez, minha mãe caprichou na festa: cinquenta convidados, mais de mil docinhos, salgadinhos e quitutes, carrinho de cachorro quente, algodão doce. Ia ser um festão!

Feito sob encomenda, bordados e lese compunham o meu vestido azul céu que apesar de lindíssimo, dava uma coceira infernal. Na verdade, nunca gostei de vestido e aquele não era diferente. Nem choro nem vela fizeram com que minha mãe desistisse dele e lá fui eu, para a belíssima festa, com um bico imenso, os olhos vermelhos e uma coceira que "só eu conseguia perceber".

Mas tinha algo que fazia que, por vários momentos, eu esquecesse da coceira: "o balaio".

Para receber os presentes, mamãe deixou um balaio bem maior do que eu logo na entrada da festa. Todo mundo que chegasse colocaria os presentes ali. Imaginem vocês: 50 convidados significavam 50 presentes! Era um sonho para qualquer criança: um balaio lotado de presentes e tudo pra mim! E começou a tortura...

Durante toda a festa, eu brincava um pouco e ia verificar o balaio. - Mãe, posso abrir os presentes? - Não! Só depois que a festa acabar. E depois de tantos nãos, a minha pergunta já começou a ser: - Mãe, que hora vamos cantar parabéns? Já torcendo pra todo mundo comer e bolo e ir embora, pra eu poder atacar o balaio de uma vez por todas.

Quase 9 horas da noite, lá estava eu me despedindo do último convidado e ao bater o portão, saí em debandada em direção ao balaio, que transbordava pacotes de todos os tipos e tamanhos. Qual não foi minha decepção quando minha mãe gritou: - Não! Hoje já está muito tarde. É hora de dormir, amanhã cedo você abre tudo.

Essa é a maior sacanagem que os adultos já inventaram na vida, fazer uma criança esperar para abrir presentes, comer ovo de páscoa, tudo depois que dormir. Acho que sofro de ansiedade até hoje só de lembrar do quanto foi difícil olhar aquele balaio, maior do que eu, abarrotado de presentes, tudo pra mim... e ter que ir dormir sem abrir NENHUM!

Ok, como sempre fui uma criança obediente, fui dormir o mais rápido possível para acordar o mais rápido possível e poder, enfim, abrir os presentes.

A noite inteira foi marcada por pesadelos, sonhos de que eu ia abrir os presentes e eles não estavam mais lá. O balaio dançava ao meu redor, sussurrava brincadeiras aos meus ouvidos. Panelinhas, barbies, bonecas, joguinhos, tudo falava e dançava comigo.

Na manhã seguinte, acordei antes do horário normal e desci as escadas correndo, pois o balaio havia dormido no barracão, nos fundos da casa. Fui até a sala, a porta estava fechada. Na cozinha, a mesma estória. Subi até o quarto da minha mãe, entrei e chamei baixinho: - Mãe, vamos abrir os presentes? Já amanheceu. Ela colocou o roby e desceu lentamente, passou na cozinha, pegou um leite e saiu lá fora comigo.

Até que enfim eu ia saber o que tinha no balaio! Os 100m até o barracão pareciam uma eternidade.

A primeira coisa que vi foi uma claridade maior do que de costume saindo das janelas do fundo do barracão. De repente, olhei para minha mãe e ela se espantou, pois algo estava errado: alguém quebrou as grades do fundo do barracão, entrou durante a noite e esvaziou o balaio.

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