Caminhada

Sapatos na nuca
Saia amarrada
Embaraço de fios
passos marcados

Areia nos olhos
Pouca visão
Areia dos dedos
Roçando no chão

Cabelos ao vento
Cabeça no ar
Olhar esquecido
De tanto calar

Longa caminhada
Na areia molhada
Gotas da jornada
Na saia enrugada.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Obrigada por se permitir ser vulnerável




Termino 2017 com essa frase pulsando em mim. Frase escrita pra mim por uma pessoa desconhecida, durante um curso de Comunicação Não-Violenta no qual me aventurei fazer pela segunda vez esse ano. 

Entre as tantas atividades que realizamos nesse curso onde a proposta é encontrar a si mesmo para se encontrar com o outro por meio da empatia, fiz um exercício: criar um envelope com meu próprio nome e colocar na parede para que outras pessoas pudessem escrever mensagens pra mim. 

Um detalhe: no primeiro curso que fiz há 2 anos atrás, não consegui me conectar com ninguém e minha caixinha ganhou 2 mensagens de quem eu já conhecia. 

Dessa vez, recebi 9 mensagens, cada uma escrita com muito coração e conexão.

Me formei em comunicação social justamente pela minha inabilidade de me comunicar com as outras pessoas. Como primogênita, carreguei por muitos anos a bandeira de ser o exemplo para meus irmãos e a referência de uma mãe que tinha que trabalhar enlouquecidamente para dar conta de 3 filhos sozinha. Na pré-escola me tornei CDF e melhor amiga dos professores pra sobreviver ao medo de apanhar de novo e de novo de uma menina que me mordia e arranhava todas as vezes que eu queria brincar com outras crianças que não fosse ela mesma. 

Aos 9 anos me calei de vez porque outra menina, pediu para um tio meu me avisar que eu não poderia ir mais na casa dela - onde eu ia praticamente todos os dias das férias pois achava que ela era minha super amiga na época - porque eu falava de coisas profundas demais. E isso era chato demais pra ela e pros amigos dela.

Por mais de 20 anos, me tranquei num mundo de culpa, vergonha e medo de não gostarem de mim, sem festas de aniversário, sem encontros de galera, me relacionando com pouquíssima gente e sempre com muito receio de demonstrar quem eu sou de verdade. O mais louco desse processo foi perceber que eu deixei de me conhecer e criei, para agradar aos outros, uma imagem estranha de mim mesma.

E essa imagem era perfeita: comprometida, esforçada, forte e determinada. Me fechei no meu mundo e fazia com total dedicação os trabalhos da escola, da faculdade, os projetos dos empregos em que já estive e colocava o nome de todos ao meu redor. Não queria aparecer, não queria ser o centro. E quando alguém tentava se aproximar eu repelia. Não precisava de praticamente ninguém. Me dediquei a uma amiga por vez, um namorado, minha família de maneira bem fria e olhe lá!

Dentro de mim, adotei uma postura fechada e até mesmo grosseira, numa busca incansável pela perfeição. Para mim era praticamente impossível compreender como as pessoas poderiam viver suas vidas sem se entregarem 100% à perfeição do que estavam fazendo. Eu me irritava com bagunça, com preguiça, com gente que não se esforçava pra estudar ou se aprimorar na vida. Eu me irritava muito, pode ter certeza. Rodeada pelo julgamento, todo mundo era pior que eu. E os que eram melhores eram tão melhores que eu me sentia piorada e me fechava ainda mais.

O que eu não sabia é que o mundo não poderia ser medido pelo meu modelo ideal, que aliás, estava longe de ser “ideal”.

Aos 26 anos, trabalhando numa das melhores agências de propaganda de São Paulo, passei a visitar o hospital todos os meses com uma dor horrível. Uma gastrite crônica virou úlcera e isso me assustou profundamente. Nessa época, entrava na agência as 9h da manhã e muitas vezes, saia na madruga. No outro dia estava lá de novo, às 9h da manhã. Era um ciclo insano, sempre dizendo sim pra tudo o que me pediam. Nos fins de semana eu estava tão cansada que simplesmente dormia o dia todo. O que não falei ainda é que fui mãe aos 22 e nessa época, minha filha tinha uns 4 ou 5 anos. Era horrível não vê-la a semana toda - que tinha que morar na casa da avó por conta dos meus horários malucos -  e no fim de semana, não ter nenhuma energia para estar com ela.

Esse era o meu modelo de perfeição? Eu tinha ataques de pânico, taquicardia, engordei 20 quilos, estava infeliz no trabalho, sem grana, sem conviver com a minha filha, destruindo meu casamento e ainda por cima, com úlcera! Que modelo bacana era esse?

Um dia entrei num centro espírita em frente à agência que eu trabalhava. Tinha terapia de graça por lá e marquei algumas sessões. Percebi que não dava pra ser heroína e pedi ajuda pela primeira vez na vida. Nesse Centro passei a estudar sobre o espiritismo, sobre evolução, reforma íntima e principalmente, sobre as nossas dificuldades como seres carnais e espirituais.

Alguns meses depois procurei uma analista para dar andamento ao processo e fiquei pasma quando depois de um ano e meio me analisando, percebi o quanto eu estava desconectada de mim mesma. Quem era a Joyce? Do que ela gostava? O que era esse vazio que tinha dentro do peito? Porque se deixou seguir assim tão pouco gentil consigo mesma?

Lembro um dia que uma amiga, a Eli me ligou e perguntou se eu ia numa festa que tínhamos sido convidadas. Estava chovendo aos cântaros e ela tinha carro, eu não. Falei que não ia por causa da chuva e porque estava sem grana para um táxi mas, dentro de mim, estava achando um absurdo ela me perguntar isso sem me oferecer uma carona.

Lembro que ela desligou o telefone e eu fiquei com um sentimento de raiva. - Egoísta!! – pensava dentro de mim.

Alguns minutos ela me ligou de novo e falou: - Você não vai me pedir carona? Eu não vou te dar carona se você não me pedir. Você precisa aprender a pedir as coisas pras pessoas! Você nunca pede nada!!!

Nesse dia eu aprendi a pedir. E o mais louco é que aprendi a doar também. Não foi do dia pra noite. Foi um processo lento e doloroso de jogar meu orgulho, meu controle de lado e começar uma nova Joyce mais frágil, mais vulnerável, que precisava aprender a ouvir "sim" e também "não", após um pedido sincero. Não era uma questão de me humilhar como eu pensava antes, mas de me abrir pro outro com uma verdade sincera. E ao perceber isso, passei a olhar a fragilidade do outro como algo sublime.

Recentemente, minha filha entrou na faculdade. Não foi fácil. Foi um ano e meio de cursinho, em meio a crises horríveis por não passar na faculdade que ela queria. Numa dessas crises eu disse pra ela: - Filha, você não está passando porque não está se esforçando de verdade. Lembro dos meus primos que passaram em faculdades bacanas, eles ficaram um ano inteiro se dedicando 100%. Eu mesma na época do vestibular não fazia mais nada. Não tinha feriado, nem fim de semana, nem festa nem amigos. Se você continuar assim, saindo com os amigos, namorando e se divertindo, como vai querer passar?

Ela olhou nos meus olhos e disse: - Mãe, não acredito nesse modelo que você vive. Olha só, você trabalha muitas horas por dia. Sai pouco, viaja pouco, se diverte pouco. Acho que na vida a gente tem que ter equilíbrio, sabe? E como você acha que eu vou ficar se eu só focar no estudo? Quando estudo por 5 horas seguidas, minha cabeça para de funcionar. Acho que minha cabeça é diferente da sua porque eu paro de aprender. Acho que nessa vida a gente tem que equilibrar namoro, estudo, trabalho, lazer, descanso. É nisso que acredito.

Seis meses depois ela entrou na faculdade que queria e está virando noites como os novos colegas, com um tesão de estudar maravilhoso. Mas continua fazendo outras coisas...

Pois é, a maior novidade é que, depois que aprendi a pedir e me doar mais, também aprendi a ouvir. E só por isso consegui perceber o que minha filha quis me dizer nesse dia. E ela só conseguiu me dizer isso, com essa clareza toda, porque quando ela fez 15 anos, eu falei pra ela que eu gostaria de deixar para ela um legado: aprender a olhar o mundo sob diferentes visões e que a terapia seria capaz de ajudá-la. Foi um ano de conversa pra ajudar ela a enxergar isso, o que aconteceu porque ela percebeu as mudanças em mim mesma. Desde então, ela também faz análise e estamos fortalecendo nossos aprendizados, juntas.


(foto tirada no curso, durante um dos exercícios de conexão empática)

Voltando ao Curso de Comunicação Não-Violenta que comentei no início, dentre os bilhetes que recebi, a Carol, uma querida que estava por lá, me escreveu o seguinte texto: “Eu quero te agradecer e te parabenizar pela sua entrega. Tenho certeza que foi muito contato com a vulnerabilidade expor a situação do seu irmão. São questões profundas. Parabéns pela coragem.”


Nem preciso dizer que chorei bicas com cada palavra, não só dela, mas de todos que me escreveram. Pra mim está sendo uma prova de fogo me abrir, me expor e acreditar que sim, pode ter gente que goste disso e pode ter gente que ache tudo uma bobagem. Mas pra mim, ser vulnerável está sendo maravilhoso e me aproxima da Joyce real, verdadeira, que erra mas também acerta. Que acerta mas também erra. E que mesmo assim, tem dentro de si a certeza que vai ficar tudo bem.

Um comentário:

  1. Linda história! Poucos tem sua coragem em abrir o coração. Resiliência é sua marca.

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