Caminhada

Sapatos na nuca
Saia amarrada
Embaraço de fios
passos marcados

Areia nos olhos
Pouca visão
Areia dos dedos
Roçando no chão

Cabelos ao vento
Cabeça no ar
Olhar esquecido
De tanto calar

Longa caminhada
Na areia molhada
Gotas da jornada
Na saia enrugada.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

As Terezas

Há mais ou menos 20 anos, Tereza é manicure de Tereza filha e Tereza mãe, ambas senhoras distintas da grande capital paulistana.

A confiança adquirida ao longo de tantos anos de convivência deu à Tereza filha a liberdade de pedir à Tereza manicure que cuidasse de sua mãe Tereza, já com idade avançada e necessitada, segundo a filha, de cuidados especiais:
- Tereza, por favor, vou viajar e gostaria de pedir-lhe para dormir um dia com minha mãe, pois não confio em mais ninguém pra ficar com ela, você sabe como ela é difícil. Você poderia me ajudar com isso?
- Claro Tereza, sem problemas. Basta saber se sua mãe vai querer que eu durma lá, já que ela gosta muitíssimo de ficar sozinha.
- Tereza, entenda o seguinte, minha mãe já beira os 90, não tem capacidade de resolver isso sozinha. E sou eu quem paga as contas, então o que eu disser, é lei naquela casa.

Dito isso, no dia combinado, lá se vai Tereza manicure para a casa de Tereza mãe, com sua bolsinha repleta de esmaltes, algodão, alicates, calcinha, pijama e escova de dentes. Antes de sair, por telefone, avisa Tereza mãe que se encaminha com o intuito de fazer as unhas da idosa senhora e tem assim sua aprovação.

Aberta a porta de entrada, Tereza manicure senta-se ao sofá, em frente à Tereza mãe e inicia seu trabalho, com cara de compromisso. Com satisfação de mais um serviço muito bem feito, Tereza mãe oferece um café e papo vai, papo vem, de repente, o céu escurece e começa uma tempestade de arrepiar. Tereza mãe comenta:
- Ó meu Deus, e agora, como você vai embora?
- Acho, Dona Tereza, que vou ter que dormir aqui...
- Não, pelo amor de Deus, você não pode dormir aqui!
- Porque não, Dona Tereza? Você tem um quarto vazio, com cama e tudo mais. Qual o problema? Tenho aqui tudo o que preciso na minha bolsa, não vou te incomodar em nada. Fico ali no quarto e amanhã me vou...
- De jeito nenhum. Você tem que ir embora. Essa chuva vai passar com toda a certeza!
- Dona Tereza, mas que absurdo! E se ficar muito tarde? Como faço para ir embora?
- Não interessa, aqui você não fica!

Vendo o nervoso da senhora idosa, Tereza pensou na filha...e agora? Como iria fazer para satisfazer seu pedido se a mãe não dava meios de mudar de ideia?

A essa altura, Dona Tereza se esgueirou na janela, aguardando que as árvores parassem de balançar. Os trovões cintilavam o suor em sua testa, tal o nervoso de ver-se cuidada por uma entrometida, que queria dormir em sua casa sem sua permissão.

Tereza,sentada no sofá, divertia-se com a situação. Sua experiência como mulher madura de mais de 50 anos não lhe deixava esquentar a cabeça com tal situação. Apenas ria-se internamente do desespero da velhinha.

A chuva acalmou-se por volta das 22h e Dona Tereza já se apossou da entrada da casa, girando a chave e exclamando:

-Então tá bom, Tereza, você agora já pode ir, a chuva já está quase no fim!
- Dona Tereza, o negócio é o seguinte, eu vou dormir aqui a senhora queira ou não queira, pois sua filha pediu para eu ficar aqui com a senhora, porque ela viajou.

Num lampejo de desespero, Dona Tereza gritou aos quatro ventos:
- Minha filha não manda em mim! Essa casa é minha e ninguém vai dormir aqui!!!
- Dona Tereza, pois eu não vou embora! Tem aí um quarto de hóspedes que eu sei. A sua filha paga as contas na sua casa e ela me mandou ficar!
- Pois é quero é ver se você vai ficar! - disse Dona Tereza, já pegando Tereza em um dos braços e sua malinha no outro e empurrando tudo para fora da porta.

Segue então Tereza pela rua, indo em direção ao ponto de ônibus. Sua expressão, de puro riso expressa a satisfação de pensar que poderá, enfim, dormir em sua casinha sem ter que aguentar aquela velha chata por toda uma noite.

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