Há mais ou menos 20 anos, Tereza é manicure de Tereza filha e Tereza mãe, ambas senhoras distintas da grande capital paulistana.
A confiança adquirida ao longo de tantos anos de convivência deu à Tereza filha a liberdade de pedir à Tereza manicure que cuidasse de sua mãe Tereza, já com idade avançada e necessitada, segundo a filha, de cuidados especiais:
- Tereza, por favor, vou viajar e gostaria de pedir-lhe para dormir um dia com minha mãe, pois não confio em mais ninguém pra ficar com ela, você sabe como ela é difícil. Você poderia me ajudar com isso?
- Claro Tereza, sem problemas. Basta saber se sua mãe vai querer que eu durma lá, já que ela gosta muitíssimo de ficar sozinha.
- Tereza, entenda o seguinte, minha mãe já beira os 90, não tem capacidade de resolver isso sozinha. E sou eu quem paga as contas, então o que eu disser, é lei naquela casa.
Dito isso, no dia combinado, lá se vai Tereza manicure para a casa de Tereza mãe, com sua bolsinha repleta de esmaltes, algodão, alicates, calcinha, pijama e escova de dentes. Antes de sair, por telefone, avisa Tereza mãe que se encaminha com o intuito de fazer as unhas da idosa senhora e tem assim sua aprovação.
Aberta a porta de entrada, Tereza manicure senta-se ao sofá, em frente à Tereza mãe e inicia seu trabalho, com cara de compromisso. Com satisfação de mais um serviço muito bem feito, Tereza mãe oferece um café e papo vai, papo vem, de repente, o céu escurece e começa uma tempestade de arrepiar. Tereza mãe comenta:
- Ó meu Deus, e agora, como você vai embora?
- Acho, Dona Tereza, que vou ter que dormir aqui...
- Não, pelo amor de Deus, você não pode dormir aqui!
- Porque não, Dona Tereza? Você tem um quarto vazio, com cama e tudo mais. Qual o problema? Tenho aqui tudo o que preciso na minha bolsa, não vou te incomodar em nada. Fico ali no quarto e amanhã me vou...
- De jeito nenhum. Você tem que ir embora. Essa chuva vai passar com toda a certeza!
- Dona Tereza, mas que absurdo! E se ficar muito tarde? Como faço para ir embora?
- Não interessa, aqui você não fica!
Vendo o nervoso da senhora idosa, Tereza pensou na filha...e agora? Como iria fazer para satisfazer seu pedido se a mãe não dava meios de mudar de ideia?
A essa altura, Dona Tereza se esgueirou na janela, aguardando que as árvores parassem de balançar. Os trovões cintilavam o suor em sua testa, tal o nervoso de ver-se cuidada por uma entrometida, que queria dormir em sua casa sem sua permissão.
Tereza,sentada no sofá, divertia-se com a situação. Sua experiência como mulher madura de mais de 50 anos não lhe deixava esquentar a cabeça com tal situação. Apenas ria-se internamente do desespero da velhinha.
A chuva acalmou-se por volta das 22h e Dona Tereza já se apossou da entrada da casa, girando a chave e exclamando:
-Então tá bom, Tereza, você agora já pode ir, a chuva já está quase no fim!
- Dona Tereza, o negócio é o seguinte, eu vou dormir aqui a senhora queira ou não queira, pois sua filha pediu para eu ficar aqui com a senhora, porque ela viajou.
Num lampejo de desespero, Dona Tereza gritou aos quatro ventos:
- Minha filha não manda em mim! Essa casa é minha e ninguém vai dormir aqui!!!
- Dona Tereza, pois eu não vou embora! Tem aí um quarto de hóspedes que eu sei. A sua filha paga as contas na sua casa e ela me mandou ficar!
- Pois é quero é ver se você vai ficar! - disse Dona Tereza, já pegando Tereza em um dos braços e sua malinha no outro e empurrando tudo para fora da porta.
Segue então Tereza pela rua, indo em direção ao ponto de ônibus. Sua expressão, de puro riso expressa a satisfação de pensar que poderá, enfim, dormir em sua casinha sem ter que aguentar aquela velha chata por toda uma noite.